BARRETO, V. Educação e violência: reflexões preliminares, In: Zaluar, A. (Org.) Violência e educação, São Paulo: Cortez, 1992, pp. 55-64.
Este texto faz parte da coletânea organizada por Alba Zaluar, sobre o tema Violência e Educação, na qual vários autores abordam a temática da violência no senso comum, o processo de exclusão social e o sistema educacional. Barreto, ao analisar os processos de exclusão social da sociedade brasileira, afirma serem dois deles os de maiores dimensões: a falta de acesso a educação e a busca pelo crime como sucedâneo para frustração social. Tais processos, na opinião do autor, possuem uma relação específica e exigem uma reflexão integrada, multidisciplinar, para que “”possam ser discutidos em sua natureza específica, na sua abrangência e inter-relacionamento”” (p.55). Para aprofundar então na temática, Barreto enfatiza, tendo como referência teórica o pensamento de Hannah Arendt, que a crise educacional é algo abrangente, resultante das mudanças radicais nos meios de produção no ocidente, na cultura de massa e no fracasso da “”educação progressista””. Na verdade, a crise educacional, na visão do autor, “”foi gerada no ventre de uma crise cultural mais complexa e, na maioria dos casos, irrompeu com violência”” (p.56). O autor indica que para Arendt, a crise educacional vincula-se à crise de autoridade na sociedade industrial moderna. Esta tem sofrido profundas modificações e o conceito inicial de educação como transmissão de peculiaridades físicas e espirituais de uma comunidade se modificou, sofrendo influência das contingências políticas, sociais e econômicas. Assim, a crise e a discussão sobre o conceito de autoridade está presente nos diferentes âmbitos sociais e, na educação, acaba por provocar uma ruptura na tradição pedagógica, apontando a falta de democracia no processo educacional. Ainda com base nos textos de Hannah Arendt, Barreto afirma ser a origem da crise da autoridade, na verdade, política, afetando a esfera privada e sendo contestada primeiramente na família e na escola. Com este rompimento, a educação passa a ser pensada como instrumento de transmissão de conhecimentos técnicos, perdendo seu caráter democrático na formação de uma sociedade dialogal. “”A crise da educação brasileira talvez resida nesta falta de perspectiva espiritual e cultural”” (p.59), aponta Barreto, e as reformas educacionais acabaram por não formar nem técnicos, nem cidadãos. Excluídos, um grande contigente da população, que não foi absorvido pelo mercado como pretenderam as hipótese economicistas, é também excluído do exercício da cidadania e, aí, na opinião do autor, se deu a ligação entre o mundo educacional e o da violência. O autor apresenta ainda uma análise dos diferentes graus de violência, desde os mais sutis presentes nas sociedades industriais, até os crimes vulgares, incluindo o âmbito da escola. Barreto ressalta ser o pensamento político e social deste século permeado pela idéia de violência como saída para a crise da sociedade capitalista, já que responsabiliza a democracia liberal pela ineficiência e corrupção. Analisa, como um dos representantes dessas teorias, a obra de Georges Sorel , sendo esta importante para o resgate da violência na história da humanidade. O autor cita também o analista da violência Paul Weil, que afirma ser a negação do diálogo a principal causa da violência, já que este seria o instrumento da comunicação cultural. Para este analista, é muito mais na esfera da liberdade do que nas contingências econômicas e sociais que se explica a violência. Analisando a influência de Rousseu e de outros pensadores na educação, Barreto ressalta a negação dos aspectos violentos do ser humano no pensamento pedagógico, o que acabou por afastar a possibilidade de uma explicação racional para a violência. Utilizando ainda a obra de Weil, o autor do texto afirma ser essencial esclarecer o caráter natural da violência do ser humano, já que assim percebe-se a razão como opção humana de permanecer nela ou negá-la. No caso do sistema educacional, com a crise de autoridade, o aluno é sacrificado duplamente, quando é excluído do sistema e quando, por esta mesma razão, lhe é negada a possibilidade de interiorizar racionalmente valores morais, políticos, sociais e culturais, o que, por sua vez o exclui de se associar com outros indivíduos de forma livre, plural e democrática. Assim, a educação, apesar de ter assumido o discurso da formação para a cidadania, ainda se desenvolve com base no tecnicismo, o que acaba por negar a sua própria natureza, levando assim a violência. Barreto encerra reclamando a importância da instalação do “”domínio da moral”” , situado na ordem da razão, para a transmissão de valores éticos, apontando ser este o papel da educação na construção da sociedade democrática.