Livre-docente em Direito Penal, Doutor e Mestre em Processo Penal pela PUC-SP. É Desembargador em São Paulo.
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, o art. 5º, LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”) experimentou alguns períodos bizarros. De 1988 a 2009, decidia-se cada caso concreto como um caso individual. Como a imensa maioria dos presos do Brasil encaixava-se no setor cautelar (prisão preventiva), ninguém reclamava. Os agentes de crimes violentos e hediondos eram presos preventivamente e ficavam segregados até a condenação, com trânsito em julgado. Alguns desses, por certo, poderiam ser absolvidos, mas esse é o ônus de se autorizar a prisão cautelar.
O ponto fulcral, hoje, é a besteira levantada por certas bandas de opiniões (em boa parte leigas), aumentando o número de presos que seriam libertados, somente pela decisão do STF, ao não permitir o cumprimento da pena após julgamento de segundo grau. Bobagem. Por quê? Pelo simples fato de que os criminosos perigosos (todos) estão presos preventivamente. Restam, portanto, os não perigosos, que só irão cumprir pena após o trânsito em julgado.
O entendimento do STF firmou-se, impedindo a prisão após o julgamento de 2º grau, em 2009. E desta data até hoje nada se alterou. O Brasil não viveu uma fase horrível de impunidade. Tudo se deu muito bem, porque a prisão cautelar sempre foi utilizada. Criminosos perigosos sempre foram presos cautelarmente e assim ficavam até o fim do julgamento com trânsito em julgado.
De 2016 até hoje nada se modificou, igualmente, porque a prisão preventiva continuou a valer em primeiro lugar. As prisões decretadas após a decisão em segundo grau foram minoritárias.
“É preciso cessar com a demagogia. Réus perigosos sempre foram presos preventivamente.”
É preciso cessar com a demagogia. Réus perigosos sempre foram presos preventivamente. Sempre aguardaram o trânsito em julgado segregados. É uma inverdade dizer que a decisão do STF, tomada em 07 de novembro de 2019, possa alterar qualquer aspecto disso.
Vamos cessar as inverdades. Deixar de executar a pena após a decisão de 2ª instância não resultou em evento absolutamente injusto. É mentira que vários criminosos iriam para a rua. Os perigosos já estão presos preventivamente.
Quem é primário, sem antecedentes, sem periculosidade, não precisa “cumprir pena” antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.
Quem é perigoso, estará preso preventivamente e a sociedade, garantida.
É preciso cessar a bandeira da impunidade nesse caso. Somente quem não milita na seara criminal pode ter dúvida a esse respeito.
Em suma, desde 1988 até 2009 (ano em que foi vedado claramente o cumprimento de pena após decisão de 2º grau), nada se alterou. Os presos preventivamente ficaram segregados desde a fase da instrução do processo. Depois de 2009, como mencionamos acima, o mesmo quadro continuou. A sociedade não sofreu nenhum perigo. Os delinquentes perigosos estavam sujeitos à prisão preventiva até o término do processo. Quando o STF, em 2016, declarou a possibilidade de prisão após a decisão de 2º grau, o que acabou acontecendo é que réus sem nenhuma periculosidade começaram a ser encarcerados ou obrigados a cumprir penas alternativas (note-se que, neste campo, o STJ não aprovou esse cumprimento precoce da pena, mas o STF disse sim).
“[…] é uma mentira que a decisão colocaria nas ruas uma imensidão de meliantes violentos […]”
A minha posição é que o art. 5º, LVII, da CF, é cristalino. Após o trânsito em julgado, a pessoa é considerada culpada e deve cumprir a sua pena. Mas isto não impede a prisão cautelar, destinada a todos os criminosos perigosos. Então, é uma mentira que a decisão de hoje (7.11.2019) colocaria nas ruas uma imensidão de meliantes violentos. Tudo continua como antes. Quem tem que estar preso, por ser violento e ter antecedentes, está. Quem não precisa, responde o processo solto, aguardando o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Resta um ponto: os inúmeros recursos, aptos a despertar a prescrição. Fácil de resolver: criem-se causas de interrupção da prescrição ou de suspensão. Por lei ordinária. O Parlamento é o senhor dessa decisão.
O STF não pode ser um Tribunal acessível à opinião pública. Talvez, todos os demais magistrados possam ser influenciados, mas não o Pretório Excelso. A confiança na Justiça depende dele. Seja como for, fez-se Justiça hoje. Pessoas não podem cumprir pena (se estavam soltas) antes de transitar em julgado a decisão condenatória (quando não há mais recursos). Todos os acusados que perturbarem a sociedade, podem ser presos preventivamente e aguardarão segregados o término dos seus processos.
Não se faça de um julgamento técnico do STF a celeuma para apontar a impunidade. Seria consagrar mais uma “fake News” e estamos fartos disso.