GUIMARÃES, E. e PAULA, V. Cotidiano e violência, In: Violência e Educação. In: Zaluar, A. (Org.) Violência e Educação, São Paulo: Cortês, 1992, p. 125-136.

Este texto faz parte da coletânea organizada por Alba Zaluar, com o tema Violência e Educação. Nele as autoras apresentam pesquisa realizada em escolas públicas de 2º grau noturno, no município do Rio de Janeiro, em 1989. Logo no início do texto, afirmam ter encontrado nas escolas estudadas uma realidade bem diferente das imagens que costuma-se ter do aluno do curso noturno, ou seja, aquele que procura o curso para melhorar sua condições de vida, já que não pode realizá-lo durante o dia. Na verdade, indicam as autoras, foi predominante a questão da violência na realidade escolar, na forma de crime, drogas e quebra da autoridade, apresentando-se assim uma juventude com valores diferentes e professores acuados e impotentes frente a esta realidade. Este elemento acabou por modificar, durante a construção do trabalho de pesquisa, o objeto de estudo, inicialmente definido a partir do objetivo de caracterizar melhor o aluno do curso noturno. As autoras então optaram por explorar as relações vividas dentro da escola, a partir de cada faceta da violência e, para isso, utilizou-se os relatos dos alunos, entrevistas com professores, diretores e funcionários. Quanto as escolas estudadas, situadas respectivamente perto da Central do Brasil e em região de favelas, haviam pontos em comum relativos à clientela, à organização pedagógica e às condições físicas precárias. A questão da violência porém se expressa diferenciadamente nas duas escolas. Ao descrever a realidade da primeira escola – Escola Ipê -, as autoras afirmam ser sua clientela principalmente formada por alunos e alunas trabalhadores, na sua maioria do centro da cidade, que vêem a escola como trampolim para outra profissão. Nessa escola, o processo de exclusão é muito grande e o absenteísmo é um fenômeno presente e, muitas vezes, inexplicável. As entrevistas e as observações feitas apresentam o discurso contraditório dos alunos, que apontaram para a perda da força da importância da escola em função do precário estado físico, do desinteresse pelos conteúdos e da falta de respeito por parte dos professores, principalmente no caso dos alunos de 5ª e 6ª séries. Esta escola, segundo as autoras, “”Embora houvesse aqui também indícios de drogas e crime, a violência maior era infligida pela escola aos alunos, o que fica evidente pela depredação do prédio, pela destruição dos quadros-negros, das carteiras e das lâmpadas”” (p.128). Quanto a segunda escola – Escola Acácia -, a realidade foi sendo conhecida com o tempo, na medida em que se estabeleceu uma relação de confiança com os grupos de alunos entrevistados. A maioria dos alunos desta escola não trabalha em empregos formais e constatou-se, através das observações, que a maioria ficava nos pátios e não nas salas de aula. A sala de aula, de acordo com os depoimentos, estava associada a idéia de bagunça e os conteúdos pareciam também sem importância para os alunos. Para as autoras, a empatia com o professor era mais importante que o conteúdo. Constatou-se também a ausência do hábito de leitura no grupo, com exceção dos crentes, que liam a Bíblia. Foi marcante nesta escola a presença ativa de diferentes grupos ligados ao tráfico de drogas e nela reproduziam-se as brigas entre as quadrilhas de traficantes dos morros vizinhos. Haviam situações de alunos armados, professores e diretores ameaçados, estabelecendo um clima permanente de insegurança e medo durante o ano da pesquisa. Diante deste quadro havia, por parte do corpo docente e da equipe técnica, uma grande preocupação com a disciplina, mostrando assim que a “”questão da marginalidade invade a escola e acaba por deturpar, perverter o ritmo de seu funcionamento”” (p.131). Através dos depoimentos nesta escola, obteve-se a informação de que para ascender no mundo do crime é exigida a presença na escola. Esses elementos apontam para uma mudança nos valores desse segmento social, que passa a valorizar “”‘ser mulher de bandido’, ‘comprar carrão vermelho’, submeter-se as regras do ‘chefe’, considerar natural a morte de alguém conhecido”” (p.132), o que leva a uma necessidade de mudança no ensino noturno e em todo ensino. Usando como base a pesquisa de Zaluar (1990) sobre a violência urbana num conjunto habitacional pobre do Rio de Janeiro, as autoras procuraram no trabalho de pesquisa, entender não só a questão da escola em si, mas a violência que permeia a sociedade e como a escola se insere nesta realidade. Analisou-se assim o envolvimento de menores no crime organizado e no tráfico de drogas, a atração que o bandido exerce sobre as meninas, procurando explicar padrões de comportamento que levam a adesão da juventude ao crime: “”Vemos, então, que a violência suplanta a questão da sobrevivência e situa-se no apelo ao consumo, que é exacerbado na sociedade atual. (…) Vivemos, nessa sociedade de consumo, onde tudo se torna objeto (Baudrillard, 1981), uma crise de autoridade, valores e ética, uma desagregação do tecido social…”” (p.133). Nesse contexto então, as autoras perguntam sobre o papel da escola e afirmam ser expectativa da população o desempenho de suas funções clássicas, ou seja, instrumental para um futuro melhor. Porém, procurando fazer um interpretação diferente desta fala, Guimarães e Paula questionam se não seria esta resposta uma reprodução daquilo que a sociedade espera e se “”futuro melhor”” não teria, hoje, um outro significado. O professor, por sua vez, despreparado para esta realidade, sente-se ameaçado. Desta forma, as autoras provocam afirmando ser necessário objetivar, analisar e discutir esta realidade, este “”isso”” que aparece na fala do professor ao indicar seu despreparo diante da realidade. Conclamam para construção de um novo projeto educativo representantes de outras ciências, além da pedagogia, alertando para a grave situação brasileira, uma sociedade de consumo na qual só a minoria tem acesso e com uma distribuição de renda das mais perversas. Apontam, enfim, para a necessidade de exploração de grandes temas pelos educadores, para que a burocratização não leve ao conformismo e a perda da perspectiva crítica em relação ao mundo.