Em 2011, um ano antes da aprovação da lei, a porcentagem de alunos negros e pardos no ensino superior era 35%. Em 2020, chegou a 46%.

 

Neste mês, a lei que estabeleceu reserva de vagas para alunos de escolas públicas nas universidades e institutos federais completa 10 anos e o Congresso tem a missão de avaliar os resultados e debater possíveis mudanças.

A Lei de Cotas ainda nem existia quando Danilo Gomes entrou, em 2006, na Faculdade de Economia da Universidade de Brasília, que já tinha uma política própria de cotas. Há 16 anos, negros, como o Danilo, eram poucos na universidade.

“Você consegue perceber como é o mundo, porque você vem de uma escola pública a vida inteira, quando você chega em uma universidade, você vê diversas realidades, pessoas, convivências, você abre a sua cabeça para várias oportunidades que você pode ter daqui para frente”, diz o economista Danilo Gomes.

A Lei de Cotas reserva 50% das vagas das universidades e institutos federais a alunos de escolas públicas. Metade delas aos estudantes de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa. Parte dessas vagas é reservada para estudantes pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, respeitando a proporção dessa população segundo dados do IBGE.

“Na minha família, só conseguiram entrar mesmo pelo sistema de cotas. Tem meu irmão, que está quase se formando aqui, e tem eu também”, conta o estudante de artes cênicas Jefferson Vieira.

Em 2011, um ano antes da aprovação da lei, a porcentagem de alunos negros no ensino superior era 35%. Em 2020, passou para 46%.

“Estar aqui é uma forma de manifesto, então eu estou me manifestando todos os dias, só de chegar aqui”, diz a estudante de artes cênicas Helen Gama.

Gerson fez direito na Universidade Federal da Bahia. Hoje faz mestrado em Brasília. Quer ser um professor negro, que ele quase não teve em todo o período de faculdade.

Isso reflete esse processo histórico de exclusão da população negra do sistema educacional. Eu tenho certeza que é importante a cota, o sistema de cotas para a promoção da entrada, para viabilizar a entrada de professores tanto como estudantes, porque você é estudante, depois você é professor. Eu acho que é importantíssimo, tanto do ponto de vista de representatividade como de produção intelectual, porque nós carregamos uma sacola com nossa historicidade. Então, quando a gente vai pesquisar, quando a gente vai escrever, quando a gente vai dar aula, a gente leva nossa história”, explica o estudante de mestrado em Direito Gerson Carlos de Oliveira Costa.

Especialistas afirmam que a Lei de Cotas ampliou a diversidade no ensino superior e ressaltam que as universidades são muito diferentes do que eram 10 anos atrás.

“Reduziu a desigualdade e gerou uma nova compreensão dessa relação negro e branco. Passou a ser uma relação mais madura, mais ética, mais compreensiva, onde a solidariedade gerou mais resultados. Ou seja, o Brasil ganhou muito com a Lei de Cotas. Não só o povo negro, mas o Brasil ganhou muito com a Lei de Cotas”, afirma frei David Santos, teólogo e diretor da Educafro Brasil.

A Lei de Cotas precisa ser revisada, está na lei que a criou. Especialistas dizem que ela foi fundamental para reduzir as desigualdades ao ampliar o acesso à educação. O desafio agora, segundo eles, é o que fazer para segurar, evitar a evasão do aluno cotista.

“As desigualdades da sociedade brasileira são muito profundas e as raízes dessa desigualdade também são muito profundas. Então a gente não poderia esperar que uma única lei resolvesse todos os nossos problemas de desigualdade”, aponta a economista e professora da FGV-SP Fernanda Estevan.

Dificuldade que a Maria Suzana, cotista, sentiu na pele.

“É claro que nos primeiros semestres você vê a diferença, porque normalmente as pessoas que entram na universidade pública são pessoas que vêm da escola particular, que conseguem ter um bom desempenho porque elas têm uma educação, querendo ou não, melhor. Então, você tem um choque de realidade”, relata a estudante de jornalismo Maria Suzana dos Santos.

Pensando em garantir a permanência dos alunos, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pioneira no sistema de cotas no Brasil desde 2001, foi fazendo ajustes na lei ao longo dos anos.

“Não adiantava só o candidato chegar aqui, ingressar e depois não conseguir, não ter condições para ele se manter na universidade. As leis foram avançando nesse sentido de garantir a bolsa permanência, o material didático e mais recentemente um conjunto de auxílios, como auxílio-alimentação, auxílio-creche, auxílio-transporte, que vem garantindo a manutenção desses estudantes”, diz a pró-reitora de Políticas Estudantis da Uerj, Catia Antonia da Silva.

Estudos da Universidade Federal de São Paulo, da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de São Paulo, por exemplo, mostram que a diferença de desempenho entre cotistas e não cotistas é pequena, e vem caindo ao longo dos anos.

“Apesar de todas as condições de inequidades, desigualdade social que ainda prevalecem nesse país, esses estudantes ao longo da sua trajetória de integralização do currículo da universidade demonstram procedimentos, desempenhos, práticas, atuações, inserções, investimentos que são iguais e às vezes até superiores a outros estudantes”, explica o pró-reitor de Educação da Uerj, Lincoln Tavares Silva.

Oportunidades que precisam ser mantidas e ampliadas.

“Quanto mais formas de inserir pessoas negras em vários círculos da sociedade é mais fácil eu quebrar essa visão e esse paradigma de que o negro é incapacitado, de que o negro não consegue estar numa posição elevada”, diz o economista Danilo Gomes.

 

Fonte: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/08/12/lei-de-cotas-completa-10-anos-e-o-congresso-vai-avaliar-os-resultados-e-debater-possiveis-mudancas.ghtml?fbclid=IwAR1CooOXyZX11M82clC6zYDqqVE8Ct3Tt_WKzJ2hjpWPXWwX-Obx90k_Moc