A modelo fala sobre a importância da criação do Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo e fala sobre inclusão

A palavra “anão” se vulgarizou pelos tempos principalmente pela forma como ela foi apresentada na mídia em suas três vertentes: o vitimismo, o fetiche e o humor. Não é de hoje que as pessoas com nanismo são ridicularizadas em programas de televisão e suas imagens sejam usadas como objeto de chacota.

A modelo Rebeca Costa explica que a palavra “nanismo” é a melhor forma de combater a falta de acesso à realidade do que significa uma pessoa com esta condição. Apesar de viver ainda em uma sociedade cheia de preconceitos, ela celebra a criação do Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo, comemorado neste domingo (25), que dá mais visibilidade para o tema.

Esse dia é importante para colocar em evidência tudo o que é excluído no restante do ano. É importante para entenderem que existimos e que somos individualizados. É o dia para trazer a informação real do que somos: pessoas com estatura baixa correndo atrás dos seus direitos. Esse é o dia para desconstruir tudo o que é errado. É um dia de vitória em meio a tantas lutas”, comenta.

Rebeca acredita que este também seja um momento para haver mais inclusão dentro o espectro feminista. A modelo salienta que o movimento precisa abraçar todos os tipos de mulheres, sem exceção, o que não é possível ver hoje em dia.

Percebemos por meio das propagandas que ainda não há essa inclusão. A propaganda, mesmo que se diga diversa, sempre há a ausência de uma mulher com nanismo. Não se vê uma pessoa com nanismo em um papel sério, saudável e sem que a deficiência dela seja usada. Por meio da mídia, podemos entender como a mulher com nanismo é excluída”, argumenta.

Ela torce para que nos próximos 30 ou 40 anos essa realidade seja completamente diferente e que as novas gerações entendam que o “ser diferente” também é bom.

Daqui um tempo me vejo com muito orgulho dessa geração que vem aí construindo um futuro melhor, me vejo realizada e solidificada na minha vida. Espero que neste tempo já possamos desmistificar e desconstruir as vertentes do nanismo e que ele seja conhecido como algo real, saudável e positivo.”

Marie Claire: Como foi sua infância até a idade escolar?

Rebeca Costa: Eu sempre estudei em escola regular e sempre tive uma relação boa com meu corpo por ter uma boa base familiar. Digo que o nanismo não foi apresentado para mim, então eu não passei por um processo de aceitação, mas sim um processo de reconhecimento de quem eu sou. Meus pais não pularam nenhuma etapa. Conforme o tempo passou, fui vendo o que eu tinha naturalmente e me incluindo no dia a dia mesmo.

MC: Sofreu preconceito na escola?
RC:
 Sempre gostei da minha companhia e fui ensinada a gostar del. Por ser muito comunicativa, consegui criar bons laços de amizade e fazia amigos facilmente. Nunca precisei que me incluíssem, eu o fazia. Conhecia todo mundo e queria que todos conversassem entre si. Fiz vários amigos. Sempre quis que todos fossem incluídos. Tive um processo tranquilo na fase escolar.

MC: No início desde ano, um vídeo do garoto Quaden, de 9 anos, que tem nanismo, foi vítima de bullying na escola e o caso viralizou na internet. Como foi assistir a essas imagens?
RC:
 Foi impactante. É muito triste saber que a sociedade julga as pessoas por serem quem elas são. Me doeu muito ver uma criança tão frágil sofrer tanto. É difícil viver em um mundo em que te deprimem por ser aquilo que você é. Ter visto isso, principalmente em uma criança, fez com que eu entendesse meu trabalho e a importância dele. Na época, lembro que fiz um vídeo sobre isso para discutir o assunto e mostrar que o preconceito está fora de moda. Falta empatia no mundo, falta entender que nós somos seres humanos diversos. Cada um tem seu jeito.

MC: Como surgiu sua carreira de modelo e como foi sua trajetória até chegar à São Paulo Fashion Week?
RC:
 A carreira de modelo começou junto com meu Instagram. De primeira, eu fui rejeitada em uma agência por ter nanismo, sabe? Fiquei deprimida, mas recebi um convite de uma outra agência e aprendi muito lá. Depois, recebi o convite para fazer parte do desfile de uma marca na SPFW, com um vestido feito pela Paula Raia. Este momento deixou meu coração quentinho. É importante se discutir moda inclusiva. Fico feliz em saber que posso levar um projeto assim.

MC: Como é sua ligação com a moda no dia a dia?
RC:
 A moda é diversa, ela é nossa. Fazemos dela o que quisermos. Eu tenho vários estilos, me encaixo em diversas versões. Sei que a moda não é inclusiva para mim, mas posso adaptar. Olho a moda como minha melhor amiga, não me encaixo nela, mas vou encaixando-a em mim. Existem muitos tipos de corpos e eu tento adaptar para o meu, mas como eu disse, não pensam em nossos corpos.

MC: Você sente que o mercado de trabalho tem estado mais aberto às pessoas com deficiência?
RC:
 Acho que ele está um pouco aberto, mas o importante não é entrar no mercado, é crescer nele. As pessoas desacreditam das pessoas que com deficiência, as consideram como um “tampa cota”, sabe? Isso me chateia porque é necessário que, além do emprego, as pessoas tenham qualidade de vida. As pessoas com deficiência têm sede de trabalhar e querem crescer também. As cotas cresceram, mas e as oportunidades? Não.

MC: Já teve alguma dificuldade se relacionar?
RC:
 Nunca tive dificuldade de encontrar alguém porque eu me coloco como completa, não crio dependências. Não me apego a ideia de me sentir completa com alguém.

MC: Você já se sentiu alvo de fetiche alheio?
RC:
 Acho que todos se sentiram usados, mas nunca me permiti ser objeto de fetiche. Tenho amor ao meu corpo e não sou uma mulher momentânea. Não tenho como idealizar se alguém teve fetiche desse jeito comigo. Não julgo, mas se eu souber dessa intenção, jamais vou me permitir a isso. Seres humanos não são objetos, tenho meus valores e meus princípios.

Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/10/rebeca-costa-fala-sobre-exclusao-da-mulher-com-nanismo-dentro-do-feminismo.html