Livro da escritora Kiusam de Oliveira, que fala de “Histórias de Princesas” africanas, (Mazza Edições, 2009), que deixaria de ser indicado com exclusividade em disciplina aplicada pelo SESI de Volta Redonda, será readmitido no currículo escolar. Em nota, a Firjan e Sesi reconheceram que houve erro ao anunciar uma alternativa ao livro. A suposta censura inicial imposta à obra foi divulgada pela autora e pais de alunos. A notícia ganhou repercussão após pais, ligados a igrejas evangélicas, reagirem a adoção do livro por não admitir a cultura africana como objeto de suma importância para a formação cidadã do povo brasileiro.
Vale lembrar que embora 50,7 dos brasileiros se afirmem negros, e 0,4% indígenas, a cultura negra continua sendo ignorada nas escolas, especialmente a questão da ancestralidade e sua importância.
A mãe de um aluno entrou no Facebook e, com filhos negros na escola do SESI, se revelou ofendida com o veto determinado pela Firjan e ratificado pelo SESI. Disse Juliana Pereira de Carvalho:
” Durante essa difícil semana, a escola de meu filho enviou esse comunicado. Me sinto na obrigação de compartilhar com o maior número possível de pessoas. Sempre que me deparo com esse tipo de questionamento o sentimento é de perplexidade. Acredito ser de fundamental importância que a equipe pedagógica esclareça esses pais. não falo apenas pelos meus filhos negros, mas para além da necessidade imediata da visibilidade afro-descendente, precisamos formar pessoas que se sensibilizem e busquem uma sociedade mais justa. É FUNDAMENTAL ESCLARECER ESSES PAIS SOBRE O CONCEITO DE CULTURA, BEM COMO INFORMÁ-LOS SOBRE A LEI 11.645/08″.
Conexão Jornalismo entrou em contato telefônico com o SESI de Volta Redonda para falar sobre o assunto. Eis a nota da Firjan/Sesi:
‘A Escola Sesi de Volta Redonda cometeu um erro ao anunciar livro opcional à obra “Omo-oba – Histórias de Princesas”, da autora Kiusam de Oliveira, para alunos cujos pais questionaram a sua utilização em aulas de História.
A instituição vem a público reconhecer o equívoco no tratamento do assunto e informar que não mais será adotado um livro adicional.
Além de cumprir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e suas complementações, que tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, o Sesi Rio está empenhado e comprometido com a questão da diversidade cultural, tanto que adotou em todas as suas unidades, a referida obra como livro paradidático na disciplina de História. Diante do questionamento de alguns pais se precipitou, de forma equivocada, ao permitir a troca da obra para aqueles interessados, procedimento que foi revisto.
O Sesi já entrou em contato com a mãe que se sentiu ofendida com a promessa de um livro opcional para se desculpar e esclarecer o ocorrido. Além disso, ainda hoje (19/03) fará uma reunião com pais e responsáveis para também abordar o tema.
Para que equívocos como o ocorrido não se repitam, o Sesi irá realizar uma reciclagem com toda a sua equipe pedagógica.
A Escola Sesi de Volta Redonda também promoverá, em breve, um encontro para debater com a comunidade escolar a diversidade e o multiculturalismo.’
A autora Kiusam de Oliveira disse que foi avisada por um jornalista sobre a censura enquanto participava do Forum Mundial Social em Salvador. Leia aqui o manifesto escrito antes da decisão do Sesi de manter o livro:
“Agora estamos na era da caça às publicações que tratam da cultura afro-brasileira. Meu livro Omo-Oba: Histórias de Princesas (Mazza Edições, 2009), por sinal, altamente premiado, foi caçado ao ser adotado pelo SESI VOLTA REDONDA (RJ) quando pais fundamentalistas procuraram jornais e setores da educação para denuncia-lo por tratar de princesas africanas. A postura do SESI foi simplesmente trocar por outro livro.
Omo-Oba é um livro que privilegia o recontar de mitos africanos pouco conhecidos pelo público brasileiro em geral. O livro apresenta seis histórias de rainhas, na figura de princesas, com o objetivo de fortalecer a personalidade de meninas, independente de raça/cor, etnia, condições socioeconômicas. Tais rainhas são nossas ancestrais, uma vez que há comprovações científicas de que África é o Berço da Humanidade.
A forma com que eu as apresento neste livro é sem nenhuma conotação religiosa, mergulhadas que estão na história e nos aspectos da cultura afro-brasileira, através de uma narrativa com personagens negras cheias de afeto e de empoderamento, o que é uma raridade em bibliotecas brasileiras. Ele atende perfeitamente as leis 10.639/03 e 11.645/08 que obriga o ensino da História da África e das Culturas Afro-brasileira nas escolas em todos os seus segmentos.
O livro é altamente premiado, além de ser um espelho para o ser negro no país. Fui professora da Educação Infantil por 23 anos e atualmente sou professora na Universidade Federal do Espírito Santo, dando continuidade ao meu trabalho de fortalecimento e formação de crianças, jovens e adultos negros. Durante estes anos, foram várias as situações de confrontos de alunos negros com a ausência de príncipes e princesas como eles nas literaturas infantil e juvenil brasileira.
Assim sendo, resolvi publicar histórias de rainhas negras que fazem parte da história, da cultura e da HUMANIDADE. Pode parecer pouco, mas num país racista e eurocêntrico como o Brasil, tais princesas têm sido a defesa de crianças negras na luta contra a sua invisibilidade, a discriminação racial e o racismo.
Ao SESI que adotou o livro, parabéns, mas ao mesmo SESI que o alterou no momento de manifestações contrárias sem que efetivamente tivesse exercido um papel educador e transformador eu digo, sinto muito. Mas sinto muito mais pelas crianças negras que continuam como fantoches nas mãos de professores/as e profissionais da educação totalmente despreparados/as para lidar com as práticas racistas como vemos nesse caso, onde raramente a educação pensa um projeto que combata de frente, o racismo, tendo em vista o bem-estar da criança, do jovem e do adulto negros que ocupam os espaços escolares.
Continuamos, assim, a ver um país de pretos sendo manipulados por brancos, pretos sendo exterminados por brancos. E assim, o golpe… aquele golpe branco, continua a pautar o extermínio da população negra. O que nos cabe? Estarmos juntas e juntos combatendo o fascismo, a opressão, a ditadura de forma visceral. Somos alvos e vítimas daqueles coxinhas que tanto apostaram num país melhor!”
Fonte: Conexão Jornalismo
Publicado em 19