Parte comum deve ser ampliada de 60% para 80% das aulas; mudança estará em projeto de lei ainda em finalização
Paulo Saldaña
BRASÍLIA
O governo Lula (PT) pretende reduzir pela metade a carga horária do ensino médio destinada à parte diversificada do currículo e passar de quatro para duas as opções de áreas de aprofundamento a serem escolhidas pelos alunos, os chamados itinerários.
O MEC (Ministério da Educação) trabalha na finalização de um projeto de lei a ser enviado ao Congresso para alterar mudanças feitas com o novo ensino médio. A Folha teve acesso à minuta do projeto, finalizada no fim da semana passada.
Efetivada em 2017, no governo Michel Temer (MDB), a reforma flexibilizou o currículo do ensino médio. A implementação tem provocado fortes reclamações de alunos, professores e especialistas, que indicam inviabilidade de aplicação do previsto na legislação.
As principais queixas estão relacionadas à oferta de disciplinas sem nexo curricular, dentro dos chamados itinerários formativos, e redução de aulas com conteúdos tradicionais. O projeto do MEC significa que a parte diversificada não pode superar 600 horas ao longo de três anos do ensino médio —hoje, a lei prevê uma carga de 1.200 horas.
Levando em conta a organização com cinco horas de aulas diárias, o modelo do governo petista resulta em um dia de aula por semana para aulas referentes à parte diversificada. Hoje, essa parte representa dois dias por semana.
O bloco comum do currículo, vinculado ao previsto na Base Nacional Comum Curricular, corresponderia a 80% da carga total no projeto do MEC —pelas regras atuais, são 60%.
A pasta ainda pretende debater o texto do projeto com secretários e entidades, além de analisar o texto à luz dos resultados das consultas públicas, segundo relatos obtidos pela reportagem.
Integrantes do governo interpretam o projeto como uma espécie de revogação, o que estaria de acordo com movimentos próximos ao PT que pedem essa definição —embora seja mantida uma certa flexibilização do currículo.
Questionado, MEC informou, em nota, que consolida os resultados da consulta pública, cujo relatório será apresentado na próxima semana. “Todo o processo de avaliação e definições em relação a uma política de ensino médio no Brasil tem ocorrido em diálogo com os entes federados e atores que compuseram a consulta”, diz a nota da pasta.
O novo altera o nome de “itinerário” para “percurso de aprofundamento” e também reduz as opções. O projeto não fala em disciplinas e mantém uma abordagem de um ensino por áreas.
A reforma de 2017 definiu que a parte diversificada deve ser organizada em cinco opções: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino profissional. Um dos entraves enfrentados por alunos das escolas públicas é que não há, de fato, todas essas opções nas escolas para que os alunos escolham.
No projeto obtido pela reportagem, são previstas apenas dois caminhos, além do ensino técnico profissional —que continua como opção, mas tem hoje baixa oferta no país. Os percursos seriam: 1) Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Sociais e suas tecnologias; e 2) Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e suas tecnologias.
ÁREAS DO CURRÍCULO COMUM PODEM SER AMPLIADAS
Também há previsão de que mais conteúdos sejam obrigatoriamente abordados na parte comum. Hoje, fala-se na obrigatoriedade de “educação física, arte, sociologia e filosofia”, além de português e matemática em todos os anos.
O texto novo amplia essa preconização para todas as áreas do conhecimento, “incluindo cultura digital”. Seriam elas: língua portuguesa e literaturas, línguas estrangeiras e literaturas (com priorização da língua inglesa e espanhola), arte, educação física, matemática, história, geografia, sociologia, filosofia, física, química, biologia e “cultura digital, do pensamento computacional e das tecnologias da informação e comunicação”.
Pressionado por críticas de educadores e estudantes, o governo Lula editou em abril uma portaria que suspendeu o cronograma de implementação do novo ensino médio. O ato foi uma forma de reduzir o desgaste do governo com o tema. A pasta havia criado, no mês anterior, uma consulta pública.
A pasta sempre evitou em falar em revogação do novo ensino médio, o que dependeria de anuência do Congresso Nacional —uma vez que as diretrizes da reforma foram inseridas na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). O discurso do ministro da Educação, Camilo Santana (PT), sempre foi no sentido de fazer ajustes e não revogar.
O próprio ministro tem defendido, no entanto, de que mudanças precisam ser apreciadas pelos parlamentares, inclusive para manter a coerência com a crítica de que a reforma do Temer não foi conversada. Em 2017, o governo mudou a etapa com uma Medida Provisória, instrumento legislativo que reduz o tempo de discussões.
O projeto do governo Lula institui o que seria chamado de Política Nacional do Ensino Médio. Além das intervenções de ordem curricular, também há previsão de ações de melhoria de infraestrutura das escolas e permanência de estudantes.
O governo desenvolverá, de acordo com a minuta, uma estratégia nacional de permanência estudantil incluindo a concessão de incentivos financeiros, com priorização dos estudantes que integram famílias inscritas no cadastro do Bolsa Família. A criação de bolsas para alunos do ensino médio já é uma das promessas do governo.
O MEC ainda avalia quais detalhes da nova política de ensino médio serão contempladas no projeto de lei. Isso porque é certo de que também haverá ao menos um decreto para definições pertinentes.
O texto ainda tem a previsão de expandir as matrículas do ensino médio em tempo integral, com carga horária mínima total de 4.200 horas (7 horas de aulas diárias). Lula sancionou na semana passada lei de fomento para novas vagas com jornada estendida em todas as etapas da educação básica.