Posicionamento de judeus pela democracia me lembrou o conceito bantu Ubuntu

Quando o grupo Judias e Judeus pela Democracia São Paulo, que conta com Raquel Rolnik, Lia Vainer Schucman e Fabio Tofic Simantob, afirma, na coluna de Mônica Bergamo, desta Folha, “Defendemos veementemente o direito de palestinos e israelenses a terem um território onde possam viver em paz, de forma soberana e sob regimes verdadeiramente democráticos. Nos posicionamos pelo fim das ocupações e dos assentamentos. Repudiamos fundamentalismos, teocracias, regimes autoritários e de terror”, me identifico com suas posições.

Esse posicionamento me lembra Ubuntu, um conceito da tradição oral dos povos bantus usado para resolver disputas e conflitos no continente africano e central à ideia de reconciliação. Desde a década de 1990, esse conceito vem sendo acionado pelos sul-africanos no resgate da humanização diante da política de apartheid.

Ubuntu enfoca uma conexão histórica entre o passado de uma sociedade cindida por conflitos, sofrimento incalculável e injustiça, mirando um futuro que se assenta no reconhecimento dos direitos humanos, da democracia e na convivência pacífica e oportunidades de desenvolvimento para todos os sul-africanos, como destacou Desmond Tutu, Premio Nobel da Paz.

Ubuntu, na África do Sul, focalizou justiça restaurativa, comunitarismo, reconciliação, perdão, solidariedade e diversidade, frente ao apartheid.

Assim, a Comissão da Verdade e da Reconciliação da África do Sul, de 1994, criada pelo novo governo sul-africano, destacava não só a urgência de romper o silenciamento de verdades como promover a reconciliação. Investigava a violação de direitos humanos e criava espaços para reparações para as vítimas do apharteid. Essa comissão teve muitas limitações, mas permitiu à África do Sul promover o espirito de reconciliação e uma transição de saída do apharteid.

A perspectiva Ubuntu enfrenta muitos desafios não só na África mas também em outras partes do mundo. Diante do violento ataque terrorista do Hamas sobre Israel, que provocou 1.400 mortes de israelitas e que se desdobrou numa guerra que já ceifou 11 mil vidas palestinas, há que se pensar no movimento de extrema violência protagonizado por aqueles que só veem a guerra e a morte como solução para os conflitos.

“Por que a guerra?”, perguntou Albert Einstein, em 1932, a Freud. É possível controlar a evolução da mente do homem de modo a torná-lo à prova das psicoses do ódio e da destrutividade? Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? Essas perguntas fazem parte do texto sobre o “Diálogo entre Einstein e Freud“, escrito por Deisy Ventura e Ricardo Seitenfus e publicado pela Fadisma (Faculdade de Direito de Santa Maria) em 2005.

Da longa resposta de Freud, muito marcada por um pessimismo sobre a natureza humana, destaco um trecho mais otimista, no qual a perspectiva freudiana dialoga com o que entendo por Ubuntu: a guerra encontra-se no território do instinto destrutivo, de morte, e contrapõe-se a ele o seu antagonista, o Eros, o instinto da vida. Tudo o que favorece o fortalecimento dos vínculos emocionais entre os humanos deve atuar contra a guerra.

O segundo vínculo emocional é a identificação. Tudo o que leva os humanos a compartilhar seus interesses pode produzir essa comunhão de sentimento, essas identificações.

É nesse sentido que finalizo essa coluna me juntando ao grupo de Judias e Judeus pela Democracia São Paulo, aspirando a que os bilhões disponibilizados para solucionar o sangrento conflito, em mísseis, submarinos e armas de guerra, possam ser investidos em soluções para o cessar-fogo e a retomada do diálogo. Num movimento de Sankofa, em que o passado não é esquecido, mas retomado para orientar a restauração da justiça e a recuperação do que pode auxiliar na construção de um futuro de reconciliação, reparação e preservação da vida de palestinos e israelenses.

Fonte: https://www.geledes.org.br/por-que-a-guerra-perguntou-einstein-a-freud-em-1932/