Grupo foi extinto por Jair Bolsonaro em 2022
Por Rafael Moraes Moura — Brasília
Após um impasse que se arrastou por mais de um ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu dar aval à reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. O retorno das atividades do grupo, defendido por grupos de direitos humanos e pela militância da esquerda, enfrentava forte resistência das Forças Armadas.
Entre as atribuições da comissão estão emitir pareceres sobre indenizações a familiares e mobilizar esforços para localizar os restos mortais das vítimas do regime militar.
O decreto com a reinstalação do grupo deve ser publicado na edição desta quinta-feira (4) do Diário Oficial da União, segundo integrantes da administração lulista.
Desde março do ano passado, o governo Lula tem em mãos uma minuta de decreto com a recriação do colegiado, mas até agora não havia batido o martelo sobre o tema.
Segundo a equipe da coluna apurou, a comissão vai reunir representantes do Ministério Público, da sociedade civil e do Ministério da Defesa e voltará a ser presidida pela procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga. Ela foi afastada do cargo pelo governo Bolsonaro.
Criada em 1995 no governo Fernando Henrique Cardoso, a comissão foi extinta por Jair Bolsonaro a 15 dias do fim de sua gestão. Na época, o encerramento das atividades foi aprovado por 4 a 3, com o apoio de todos os membros indicados pelo ex-chefe do Executivo.
Os três votos contrários à extinção dos trabalhos foram da ativista Diva Santana (irmã de Dinaelza Santana, militante do PCdoB e integrante da Guerrilha do Araguaia morta pelos militares); da psicóloga Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva (sequestrado e torturado pela ditadura); e do procurador Ivan Marx. Os três voltarão a compor o grupo agora.
Completam o colegiado a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), o representante do Ministério da Defesa, Rafaelo Abritta, e a professora universitária Maria Cecília Oliveira Adão, representante da sociedade civil.
A comissão foi criada com o objetivo de reconhecer casos de pessoas desaparecidas em função de sua participação política no regime militar.
O Ministério dos Direitos Humanos, que comanda a iniciativa, previa anunciar oficialmente a retomada do grupo no último 25 de outubro, data que marca o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, nas instalações do DOI-Codi em São Paulo, em 1975.
Mas o retorno da comissão não havia avançado na Casa Civil. Em abril, a gestão Ricardo Lewandowski no Ministério da Justiça deu parecer favorável à reinstalação do colegiado.
O Ministério da Justiça, sob a chefia do então ministro Flávio Dino, já havia dado sinal verde para a reativação do grupo, em outubro do ano passado, mas por determinação da Casa Civil, a pasta teve que se manifestar novamente, sob a alegação de que a gestão Lewandowski não havia opinado sobre o tema.
Dentro do próprio governo, a postura da Casa Civil foi interpretada como uma forma de criar uma nova e desnecessária etapa burocrática, adiando a definição sobre a questão.
Resistência das Forças Armadas
A revisão dos fatos da ditadura costuma provocar irritação entre os militares. Em 2014, durante o governo Dilma Rousseff, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade causou comoção e mal estar entre a petista e as Forças Armadas.
Segundo a Comissão Nacional da Verdade, dos 243 desaparecidos políticos, apenas 35 foram identificados.
Em entrevista ao GLOBO no mês passado, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, disse não se opor à reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o que foi interpretado por integrantes do governo Lula como um sinal de que as Forças Armadas estavam dispostas a tolerar o retorno do grupo.
“Durante o curso do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, havia um viés que buscava uma justiça de transição que não existe. Estamos falando de coisas que se passaram há 60 anos. Não vou também fazer juízo de valor pela história, porque não sou historiador. A Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos é uma outra iniciativa. Ela busca que pessoas que perderam entes queridos tenham o direito de saber o que aconteceu. Isso é humanitário. Ninguém pode se opor a esse direito”, afirmou Tomás Paiva.
O desconforto de oficiais de alta patente das Forças Armadas com o assunto veio a público em novembro do ano passado, quando o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente Camelo, disse ao blog que a reabertura da comissão é “completamente desnecessária”.
“Não podemos olhar o país pelo retrovisor, ficar olhando pra trás. Temos de olhar pra frente, e não no que ocorreu há 50 anos. A maldição da história é achar que você pode corrigi-la, ninguém pode corrigir a história”, afirmou Camelo à época.
A fala foi imediatamente rebatida pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
“Os trabalhos da comissão não foram finalizados. Diversas famílias ainda aguardam respostas sobre o destino de seus entes desaparecidos”, respondeu o ministro dos Direitos Humanos. “Desnecessário é achar que podemos virar a página da história de um passado de dor, simplesmente varrendo a ‘sujeira’ para debaixo do tapete”, afirmou Almeida à equipe da coluna.
Um dos principais objetivos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos será retomar a identificação de ossadas encontradas na Vala Clandestina de Perus, na zona oeste de São Paulo, local usado pelos militares para esconder o corpo de opositores do regime.
Atualmente, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp está com 1.049 caixas com ossadas encontradas na região, descoberta em 1990.