BARCELLOS, C. A. Educando para a cidadania: os direitos humanos no currículo escolar, Rio Grande do Sul: Palloti, 1992, 108 p.

O livro trata o tema da educação para a cidadania na perspectiva da educação escolar, abordando o tema a partir de várias áreas curriculares, em artigos elaborados por educadores das mais diferentes área do conhecimento. Apresenta o termo cidadania enfatizando a relevância de seu significado ao longa da história e fala que o momento atual é de resgate do ser cidadão. Esboça alguns itens do que seria educar para a cidadania, advertindo que o seu cumprimento está além do nível do discurso, que precisa ser vivenciada em sala de aula por todo educador que se pretenda cidadão. O texto “Os Fundamentos Sociológicos da Educação para a Cidadania”, propõe um debate democrático e solidário sobre a realidade, considera emergencial a caracterização do modo como se dão na prática as teorias funcionalista-positivista e dialética-histórica-crítica e o aprofundamento das mesmas, destacando que o modelo sócio-político implantado na nossa realidade é um modelo fundamentado no “caldo ideológico” do positivismo. Relaciona o fazer pedagógico com o papel de agentes de transformação da sociedade, defende os Fundamentos da Educação comprometidos com uma resposta que coloque a defesa da vida como valor maior da ação pedagógica e a necessidade de pensar o homem como sujeito de direitos, sendo estes os caminhos para a formação da consciência e de uma prática solidária. Explicita uma opção pela teoria dialética-histórica-crítica, lembrando que ela é dinâmica, um processo que se faz a muitas mãos e de muitas formas. Em “Educando para a cidadania nas séries iniciais” o texto enfatiza a responsabilidade de se trabalhar a educação para a cidadania desde os primeiros contatos da criança com a escola, já que esta é, o lugar onde as crianças passam a maior parte do seu tempo e tem a experiência de participar efetivamente de um grupo social organizado. Valoriza a formação do educador, pois sua postura frente ao mundo tem conseqüências no processo de formação para a cidadania, para o ser cidadão. A interferência do professor no início, é de fundamental importância para que cada criança perceba que tem o seu espaço e que este é limitado, uma vez que precisa respeitar o espaço do colega. O sujeito que chega a esse entendimento, sente-se comprometido com a formação do cidadão, com a construção de uma sociedade mais justa, onde predominam as relações de solidariedade e igualdade. A abordagem da questão das relações entre “Biologia e Cidadania” aponta para a temática referente à poluição, no seu mais amplo significado, diz que as alterações efetuadas pelos povos “primitivos” estão longe de ser catastróficas, como têm sido muitas das conseqüências das civilizações modernas. O biólogo e o educador de Ciências e Biologia precisam ter em mente a distinção entre o homem civilizado e o homem “primitivo”. Aos povos “primitivos” não é necessário advertir que todo homem tem direito à vida. Os direitos à cidadania só são violados pelos cidadãos, os habitantes das cidades, quase sempre sob a cumplicidade dos respectivos sistemas sociais. A dificuldade de responder à pergunta: quais as características da espécie humana? provoca algumas vezes a confusão entre o que seja “homem” e “homem civilizado”, confusão esta muito perigosa do ponto de vista biológico, pois, a partir dela, o homem “primitivo” não seria mais homem e poderíamos considerar naturais todas as conseqüências da civilização. Propõe algumas questões para debate pelo professor de biologia junto a seus alunos. Em “Educação Artística na formação da Cidadania” a proposta é de uma nova concepção de escola, onde esta seja um espaço que o aluno forme, lenta e gradativamente, o suporte de sua vida, a partir de reflexões pessoais que não desprezem a realidade próxima. A arte é um fator importante na formação da personalidade, ajuda a criança a enfrentar os problemas presentes e futuros e a preservar sua integridade e seu equilíbrio. O indivíduo precisa perceber a arte como manifestação de um povo, quando o aluno compreende esta afirmação, ele se torna capaz de admirar a História da Arte, pois de estilo em estilo ele vai compreendendo a evolução das sociedades humanas com seus princípios e métodos múltiplos, mas bem definidos. Precisa ser uma leitura viva, uma leitura que se relaciona com o presente, que sai às ruas, compara, associa, diferencia, relaciona. Uma História das artes que conta a vida de uma humanidade que ainda caminha e – mais importante – da qual todos fazemos parte e com a qual podemos colaborar na alteração de rumos. O texto “Educação Física e Cidadania” chama a atenção para os ajustes que se fazem necessários aos currículos das Escolas Superiores de Educação Física contesta a excessiva ênfase dedicada a história da Educação Física, que aborda, preferencialmente, a Educação Física sob a ótica militar e como fator de segurança nacional. O curso deve priorizar matérias de caráter social e atividades de integração pedagógica interdisciplinar, capazes de sensibilizar o professor para as necessidades e a importância dos setores populares, dos moradores na periferia das cidades, nas vilas, nos bairros, de forma que possam aprender a exercitar-se coletivamente, em dinâmica espontânea ou dirigida. O desporto coletivo, observando as regras, contribui para o hábito de trabalhar em grupo e é outra forma de envolver os alunos com a cooperação e amizade. O texto “Ensino religioso escolar e cidadania” quer ser uma contribuição a respeito do que podemos fazer na educação da cidadania, através do Ensino Religioso Escolar, por uma metodologia dinâmica, contribuir na formação do estudante no sentido primeiro: fomos feitos à imagem e semelhança de nosso Deus, somos portanto sujeitos de dignidade. A Educação da Fé explícita supõe uma resposta do cidadão que seja livre, íntima, consciente e pessoal, deve se dar no interior do ser humano. Respeitar este fundamento é condição, entre outras, a uma verdadeira educação integral para a prática da cidadania. Apresenta ainda, propostas de trabalhos a partir do Ensino religioso, e expõe alguns pontos referentes a reflexão e a experiência da prática docente nesta disciplina e cita um trabalho de conscientização feito sobre a Anistia Internacional, junto a alunos de uma escola particular, em Porto Alegre. A abordagem de “Entendimento introdutório à filosofia” mostra que por ter ficado afastada dos currículos escolares por muito tempo, a filosofia foi vinculada a uma superioridade intelectual de alguns gênios da humanidade e isto se manifesta na maneira com muitos professores apresentam-na: acadêmica, árida e “pura”. O desenvolvimento da inteligência possibilita analisar os critérios estabelecidos, questionando-os quanto a sua validade, sua verdade, sua justiça, etc… O texto apresenta uma proposta de enfoque para ministrar a disciplina de filosofia considerando que para responder “o que é filosofia?” seria válida a tarefa de investigar uma coletânea com diferentes definições e questionar a que se devem tais diferenciações. Dá sugestões para professores trabalharem a disciplina filosofia de forma mais criativa e articulada com a realidade e acrescenta que o estudo da filosofia revisa as formas de conhecimentos, as metodologias, a contribuição que se desenvolve na interdisciplinariedade e na superação dos “domínios” estabelecidos e sustentados por autoritarismos disfarçados em “cargos” ou “ônus da função”. Para finalizar faz “uma reflexão sobre o destino do homem” onde entre outros pontos aparece a questão de como se discutir sobre Direitos do Homem e a importância de uma Educação que esteja preocupada em formar para o exercício da cidadania. O texto “A realidade da Física e a Física da Realidade” sugere a existência de diferentes níveis de realidade para uma análise da Física. No que diz respeito a educação na perspectiva do ensino formal, coloca-se uma pergunta: como se dá o ensino-aprendizagem da Física dentro da sala de aula? Aponta então três perspectivas: o ensino da Física ortodoxa, a prática “moderna” e uma perspectiva desalienada, preocupada em gestar consciências críticas, debruçadas sobre os problemas do mundo em que vivemos. O educador necessita estar axiologicamente posicionado no sentido de vivenciar (e fazê-lo junto a seus alunos) um código ético-moral internalizado e explicitado através da prática concreta. O estudo da Física deve colaborar, unindo-se a outras áreas e analisando, de maneira ampla e irrestrita, os grandes problemas mundiais. O texto “Geografia e Cidadania” considera que falar de Geografia em sua relação com a cidadania é hoje uma tarefa que se impõe ao geógrafo, uma vez que a referida ciência ainda vem sendo considerada apenas como uma disciplina a mais nos currículos escolares. A inserção da Geografia no mundo científico veio acompanhada de uma concepção autoritária das elites dominantes, que a usavam com clara intenção de não desvelar as contradições sociais que os diferentes modos de produção proporcionavam, era mantida com caráter de síntese ou de descrição, realçando a dicotomia entre o homem e o meio, a sua compartimentação em várias geografias. Há um discurso geográfico capaz de caminhar em direção a uma postura crítica e de permitir ao homem sentir-se como agente de transformação da sociedade e da liquidação total da situação de opressão em que vive, quando a geografia analisa as contradições que levam a estas desigualdades e que estão expressas espacialmente. Devemos, então, ter clara noção da totalidade que está presente em todos nossos passos. É preciso que se estabeleça que uso se faz deste espaço e quem usa o espaço, não há como entender a Geografia e a questão da cidadania se não tivermos clara esta relação. O espaço produzido pelo homem é essencialmente um espaço social, porque o homem, ao entrar em contato com a natureza, transforma-a e a si se transforma através do trabalho. Contudo, no sistema sócio-econômico em que vivemos , o uso do espaço revela as contradições inerentes ao modo de produção que o engendra, cabendo à Geografia, demonstrar a contradição e as formas de mediar os conflitos de classes na sociedade e seu espaço. O texto “Reflexões sobre o Ensino da História do Brasil” pretende abordar a maneira como o governos e as instituições vêem tratando as Ciências Humanas e, particularmente, a história. Traça um quadro onde procura apresentar o que chama “A Evolução do Ensino da História” salientando o peso que aqui tiveram as influências metodológicas e a consciência da importância da pesquisa. Argumenta que o ponto nevrálgico da questão do ensino da História é o uso largamente difundido do livro didático – por ignorância, comodismo ou censura, os professores fazem largo uso de livros didáticos obsoletos e inadequados, que transmitem uma visão de mundo elitista, paternalista e autoritária, transformando a História em algo abstrato, parcial e até alienante – e que a história oficial, veiculada por organismos governamentais, é a história do vencedor, normalmente positivista e preconceituosa. “Educar para a Cidadania através do Estudo da História” procura mostrar o saber histórico como a luz para a visualização da realidade e a História estudada como aquela que nem sempre mostra a realidade – esta História não salienta o que se perde, as possibilidades não desenvolvidas, impedidas, interrompidas. Aponta também que a História Oficial tem a sua contrapartida numa percepção mais crítica e social, vista enquanto processo, onde todos os homens atuam, onde desenrola-se o drama dos conflitos entre as classes, contradições, avanços e retrocessos, e, que o desvendamento dos mitos, a elucidação e o questionamento da História incitam o surgimento da consciência crítica e faz com que os homens se sintam sujeitos compromissados com a trajetória do mundo, agentes conscientes desse processo e não meros espectadores de algo linear e imutável, em outras palavras, pretende-se contribuir para que os homens exerçam conscientemente seus direitos de cidadãos e de seres histórico. Traça um panorama procurando mostrar o desrespeito aos Direitos Humanos no decorrer dos tempos e apresenta sucintamente o que denomina estudo crítico sobre a questão dos Direitos Humanos e do trabalho realizado pela Anistia Internacional, em 1990, no Colégio Sévigné, em Porto Alegre, com crianças de 5ª série, integrando as diferentes área de estudos para esta série. O texto que trabalha a relação entre “”Línguas e Cidadania”” informa que através da linguagem falada e escrita, o homem se comunica com seus iguais; e assim como o homem evolui através de gerações o faz a linguagem. O estudo analítico da estrutura lingüística de um idioma, permite que se descubra como um povo raciocina, como ele vive. Dá exemplo de como se deve iniciar o aprendizado de uma língua estrangeira e salienta que quando se aprende um novo idioma, precisa-se, primeiramente, estar receptivos a novas influências, a informações novas que se confrontarão com os próprios padrões há muito estabelecidos. Em “”Educação Matemática como Formação necessária à cidadania”” o texto informa que entremeada na base de todas as ciências, a Matemática – palavra de origem grega que significa “”ciência que se ensina””- surgiu da necessidade de se entender e saber lidar com o mundo. Se hoje nos parece claro que o mundo se apoia na ciência, sabemos que esta, necessariamente, se expressa e evolui pela linguagem e lógica da matemática. Se em outros tempos era uma questão de poder sintetizar o que se observava, o ritmo da humanidade, neste momento, existe que o homem seja capaz de condensar o movimento da vida em expressões lógicas a serem introduzidas nos computadores. Daí sairão as soluções, projetos, simulações e toda sorte de resultados para o estudo sistemático das complexas relações e necessidades sociais. Defende a necessidade urgente de repensar o trabalho da matemática nas escolas. A leitura de Piaget ensina que desde as séries iniciais é possível fazer do ensino da matemática um momento de conquista do conhecimento e realização pessoal, bastando para isso acreditar no potencial latente da criança e respeitar os seus vários estágios de desenvolvimento. O texto “”Cidadania e Linguagem”” relaciona o uso da linguagem ao exercício da soberania e informa que o interesse por abordar esta questão se deve à tomada de consciência como cidadãos por expressivos segmentos populares. Considera que o caráter de interação dos homens, que neste processo produz cultura é algo que se faz, se constrói a cada relação, a cultura não é algo pronto, definitivo, dá mesma forma a linguagem que, é uma manifestação cultural, é algo que nós falantes, produzimos a cada momento, de acordo com nossas necessidades, é um produto de um processo interacional histórico, reinventada a cada vez que se usa – essa reinvenção é real. Não obstante, a linguagem também é condição para a própria condição humana. A linguagem dá poder às pessoas – poder de expressão, poder de argumentação, poder de leitura e explicação da realidade, sem os quais segundo afirma o texto, somos menos cidadãos e temos menos possibilidades de sermos livres. Faz-se necessário ressaltar, contudo, que somente confere poder o expressar-se de acordo com o estabelecido como norma, social e historicamente imposta pelo segmento que domina política e economicamente a sociedade e isto revela um dos problemas cruciais no ensino da linguagem: o papel da escola na formação do cidadão quanto ao aspecto lingüístico. Tendo em vista que a língua é uma construção social – seus significados têm a ver com suas condições de produção – e que, pesquisas demonstraram que as escolas brasileiras não aproveitam as experiências das crianças, aniquilam o sujeito ao impor o professor como o que domina a linguagem, desconsiderando o contexto ao cristalizar os significados e matando a língua, ao vê-la apenas como estrutura pronta e definitiva. A saída então seria o professor se assumir como cidadão, tendo ele próprio a consciência da sua cidadania e conhecimento dos pressupostos teóricos que fundamentam sua prática pedagógica. O texto “”A Química e a Cidadania”” propõe uma vivência rotineira da química, explicando os fenômenos que ocorrem no nosso dia-a-dia, vinculando-a inicialmente com todos os fenômenos da vida. No que diz respeito ao professor, esse não poderia ser uma pessoa alienada, neutra. Sugere abordagens e metodologias alternativas de trabalho, no sentido de despertar o interesse dos alunos, apontando que é nessa perspectiva que a química terá significação para o despertar de uma consciência de cidadania e para a ação dos cidadãos organizados, visando qualificar sempre mais a vida na Terra. O livro é finalizado com dois curtos textos informativos, sobre o que é a Anistia Internacional, e o que é o CAPEC.