COELHO, S.L.B. De bandidos, boyzinhos e doidões ou de como e por que ser ou não ser peão: a constituição de identidades masculinas entre jovens trabalhadores favelados, In: Educação e Realidade – vol. 18 / n.º2, Porto Alegre, Julho / Dezembro de 1993, p. 49 – 56.

O texto pretende compreender os modelos de humanidade que perpassam um grupo de jovens favelados, principalmente no que tange a constituição da identidade masculina. O texto tem como base uma pesquisa etnográfica realizada durante 18 meses numa pequena favela – cerca de 600 moradores – no centro da área mais tradicionalmente industrial do município de Contagem, Minas Gerais, conhecida como “”Cidade Industrial””. A pesquisa procurou realizar uma abordagem do universo cultural destes jovens e também levantar dados acerca da trajetória sócio-cultural do grupo. De acordo com a proposta de investigação que o texto apresenta busca-se entender a influência dos Grupos de Jovens da Igreja Católica, bem como seus similares em outras igrejas. Estes grupos são um fenômeno nas periferias de todo país na década de 70 e atinge seu apogeu nos anos 80. Segundo o texto, observou-se que os jovens que passam por estes grupos geralmente conseguem com mais facilidade mudar sua trajetória social assimilando e vivendo valores que os ajudam a subir na pirâmide social. De início a pesquisa constatou que os jovens que freqüentam os Grupos de Jovens possuem algumas habilidades valorizadas entre alguns níveis mais elevados da escala social, especialmente o domínio de um padrão da linguagem oral, mais próximo da norma culta. Estes jovens constituíram-se com desempenho e competência em usuários e produtores do discurso oral. Há ainda outros aspectos da linguagem não-verbal, tais como: gestos, comportamentos, padrões de vestimenta, higiene, utilização racional do tempo e do espaço, etc. A hipótese do texto é se os Grupos de Jovens nas periferias e favelas se tornaram num meio de difundir a cultura burguesa ou numa chance de libertação de uma condição imposta injustamente. Outra influência na vida dos jovens desta favela é a convivência com jovens de outras classes sociais chamados de “”garotos de bairro””. Os jovens de bairros têm perspectivas diferentes dos jovens favelados. Segundo o texto, há diferença em ser favelado e conviver somente com jovens que aspiram os mesmos ideais daquele grupo restrito – a favela; e em ser favelado e conviver com jovens que têm desejos e expectativas dos níveis médios como técnicos, professores, secretárias, enfermeiras, etc. Esta realidade começa a acontecer com o crescimento da cidade e a aproximação de novos grupos como vizinhos da favela. Os grupos de jovens possibilitam ainda a aproximação dos jovens de realidades diferentes num mesmo ambiente, num contato de acolhida e respeito muitas vezes inédito para ambos os grupos. Estas influências começam a trazer novos referenciais para a constituição da identidade masculina entre os jovens favelados. Segundo o texto, a favela tinha até então duas identificação para a constituição dos jovens: o “”boyzinho”” e o “”doidão””. “”Boyzinho”” é a denominação dada as jovens que ao atingirem a adolescência ou juventude deixam as características básicas de rebeldia juvenil que são valorizadas e até cultuadas pelos jovens das gangs – os “”doidões””. Um rapaz que não se disponha mais a brigar, a beber ou fumar maconha é pejorativamente apontado com um “”boyzinho”” pelos “”doidões””. No auge do período das gangs chamar alguém de “”boyzinho”” era uma ofensa gravíssima. Ser “”boy’ significa identificar-se com valores e comportamentos que estão fora da favela, ou seja, negar o próprio grupo de origem. O “”boy”” é associado a imagem dos “”garotos de bairro””, bem vestidos, aburguesados, conformados no sistema. A rebeldia é vista como um sinal de oposição e enfrentamento dos códigos de comportamento do sistema burguês, injusto e excludente. O texto relata alguns casos interessantes e depois apresenta um quadro que para resume e ajuda a entender os valores destes universos. Os “”Doidões”” são identificados com o hedonismo, a emoção e como uma proposta de contracultura. Os “”Boyzinhos”” são representados pela segurança, responsabilidade e como uma atitude de conformismo. Daí se constrói muitas oposições como: (ativos) x (parados) ; (inteligentes) x (bobos); (coelho) x (trouxa). O texto também alerta que a identidade dos “”doidões”” é questionada e eles têm seus conflitos, pois ser “”doidão”” significa sempre correr o risco de ser preso e apanhar da polícia devido aos pequenos furtos e por fumar maconha; a rebeldia e a agressividade cultivada os afastam dos empregos e de um a continuidade na vida escolar; a falta de perspectiva de vida os deixam em situação desprevilegiada em relação as garotas e suas famílias; os “”boyzinhos”” por sua vez os acusam de perderem tempo e dinheiro com bebidas, maconha e farras. Para os “”boyzinhos”” o conflito se dá pelo fato de não participarem dos valores – coragem, rebeldia, valentia, força – que identificam a masculinidade no seu grupo social. O conflito que tanto “”boyzinhos”” com “”doidões”” enfrentam é a inserção no mercado de trabalho e garantia de reproduzir a cada dia a própria vida e a de uma futura família que ambos acabam constituindo. Os Grupos de Jovens acabam contribuindo, mesmo que não intencionalmente, para este fato. E segundo o texto, muitos que passaram pelos grupos não demonstram sinais de conformismo e aceitação de um sistema injusto. De acordo com a pesquisa, jovens que passaram pelos Grupos de Jovens tornaram-se sindicalistas, presidentes de associação de moradores, participantes de movimentos populares. De uma certa forma esta experiência os levaram a atividades políticas de orientação socialista ou de esquerda. O texto finaliza mostrando que ainda a grande busca dos jovens das classes populares é a busca de profissionalização e que o fracasso dos cursos de segundo grau e do SENAI, pois atingem uma parcela que de alguma forma controla o código escolar. É por isso que a trajetória familiar e as condições de formação contribuem ou impedem a inserção do indivíduo nos modernos sistemas de educação, profissionalização e trabalho.