BONAMINO, A. e BRANDÃO, Z. – Currículo: tensões e alternativas, In: Cadernos de Pesquisa – n.º 92, São Paulo: Cortez, Fevereiro / 1995, pp.16-25.

O objetivo do texto é o de reconstruir o movimento da discussão curricular no pais na perspectiva quer da superação do impasse colocado pelas opções excludentes, quer do projeto inconcluso de democratização do ensino. Começa fazendo uma retrospectiva histórica sobre o currículo, detectando uma tensão permanente entre una concepção unitária de currículo e uma outra, que propõe o pluralismo cultural como a alternativa mais condizente com a realidade multicultural das sociedades modernas. Na década de 80 surgiu uma abordagem do currículo da escola -inspirado pelo pensamento gramsciano- que se esforça por captar, nas contradições, as condições sociais capazes de direcionar os meios para superar a dominação presente na construção escolar. Um dos elementos estratégicos dessa superação consistiria na existência de um currículo escolar de caráter unitário, comprometido com a transmissão do saber elaborado. Esta perspectiva de Escola Unitária, formulada entre nós pela pedagogia critico-social dos conteúdos, parace não ter conseguido traduzir a compreensão política da importância da Escola Unitária em estratégias didático-pedagógicas, que poderiam subsidiar alternativas à escolarização dos setores das camadas populares. Também é possível afirmar que, no Brasil, o relativismo cultural, pano de fundo da reflexão sobre a educação das camadas populares, parece ter tido desdobramentos muito maiores em propostas de política educacional do que na criação de propostas curriculares alternativas para a escolaridade básica. Identificam-se as raízes da tendência do pluralismo cultural na “”Nova Sociologia da Educação”” inglesa, que enfatizava o caráter socialmente construído dos saberes transmitidos pela escola, assinalando o caráter arbitrário dos currículos escolares. A partir desta corrente, também conhecida pelo seu impacto como “”Sociologia do Currículo”” despontou uma proposta de multiculturalismo no âmbito curricular, tida como a resposta mais adequada às implicações educativas do pluralismo cultural, próprio das sociedades modernas. A crítica ao etnocentrismo das práticas pedagógicas escolares inspiraram propostas curriculares que tinham como eixo a valorização das pautas culturais múltiplas e das experiências dos estudantes. A hipótese do texto é que as críticas às práticas pedagógicas vigentes teriam influido bastante no descrédito nas práticas curriculares etnocêntricas, o que, por sua vez, teria gerado duas tendências entre os professores: insegurança didático-pedagógica ou resistência a novas propostas. Ambas teriam alimentado uma onda de ceticismo quanto à possibilidade de melhoria das condições de escolaridade das camadas populares. A ênfase no caráter arbitrário e “”socialmente construído”” dos currículos e as implicações da valorização do pluralismo cultural na escola, do ponto de vista das mais recentes críticas à “”Nova Sociologia da Educação””, teriam tido um resultado paradoxal: o desenvolvimento de um novo tipo de etnocentrismo pelo confinamento dos alunos em sua própria cultura, gerando uma crescente fragmentação cultural e dificultando o estabelecimento de canais de comunicação entre as diferentes pautas de cultura. Se afirma que a questão principal, no âmbito curricular, parece ser a de como encaminhar uma proposta de política de educação que minore os problemas da nossa escola e viabilize alternativas condizentes com os desafios postos pela consciência da complexidade conjuntural da discussão curricular, sem, contudo, abandonar as exigências de uma educação comum. Nesta perspectiva, é necessário refletir criticamente sobre o processo de constituição das experiências curriculares anteriores para extrair os elementos necessários à definição, não de uma nova proposta curricular, mas do que se constituiria em um núcleo curricular básico, que respondesse realisticamente à desorganização e às deficiências estruturais das redes escolares públicas. O artigo afirma, também, que há uma série de tensões que atravessam a questão do currículo, consubstanciadas em categorias de análise que estariam enraizadas em diferentes âmbitos da articulação de um projeto educativo, a saber: o político-social, o cultural, o epistemológico e o pedagógico. A eles corresponderiam, respectivamente, as tensões entre igualdade de condições/igualdade de oportunidades, singular/universal, disciplinar/transdiciplinar e quantidade/qualidade. Estas tensões, analizadas nos diferentes âmbitos, poderiam contribuir para preservar à escola da fragmentação e do esvaziamento político ocorridos, em outros paises, em virtude da transmutação de uma perspectiva multiculturalista em um relativismo cultural radical. Tomando como ponto de partida o conceito de habitus de P. Bourdieu, tenta-se identificar conceitos abrangentes que nucleiem o currículo em todas as áreas e em todos os niveis do 1. Grau, fundamentando-se no reconhecimento da importância da constituição dos habitus escolares que forneceriam o suporte cognitivo da aprendizagem escolar. A hipótese é que os conceitos nucleares teriam uma dupla natureza -transdisciplinar e transcultural-, o que garantiria à construção de um núcleo curricular básico uma base relacional, quer no eixo cultural, quer no eixo disciplinar. Estes conceitos nucleares poderiam oferecer condições de tránsito de um conteúdo a outro, de um campo de conhecimento a outro, de uma matriz disciplinar a outra e poderiam possibilitar a prática de trânsitos transculturais na medida em que favoreceriam o exercício da descoberta das diferentes interpretações ou ênfases que um mesmo conceito pode tomar nas diferentes culturas. Se parte do pressuposto que os conceitos nucleares deverão ser identificados nas formulações curriculares e no próprio trabalho da escola, mediante um criterioso trabalho de campo e de revisão das propostas curriculares em vigor. Se informa que se está tentando desenvolver uma identificação preliminar de conceitos nucleares nas formulações curriculares em diferentes disciplinas do currículo de primeiro grau, procurando-se trabalhar as possíveis interfaces disciplinares que eles apresentariam, tendo-se persente que os conceitos nucleares não são exercícios de abstração, já que eles estão perpassados por decodificações culturais variadas, que imprimem a marca da historicidade e da experiência empírica no seu uso escolar. Com esse propósito, tomaram-se os Fundamentos para a Elaboração do Currículo Básico (Municipio do Rio de Janeiro:1991) como material exploratório para a identificação desses conceitos. Nesse documento, foram selecionados apenas os “”conceitos chave”” tentando avaliar até onde eles poderiam ser traduzidos como “”conceitos nucleares””. Destaca-se que embora as bases de elaboração dos conceitos nucleares e chave sejam diferentes, aparecem afinidades em relação ao potencial de transformação e ampliação dos conceitos, o que faz com que ambos se caracterizem como pontos de partida do processo aberto e contínuo de construção do conhecimento. Outra afinidade diz respeito ao reconhecimento de que tanto os conceitos nucleares como os conceitos-chave são perpassados por decodificações culturais, que imprimem a marca da historicidade a da experiência empírica no seu uso cotidiano. Os conceitos chave da proposta de 1991 e as áreas que se analizam são os siguintes: Lingua portuguesa: texto, contexto, linguagem oral, linguagem escrita; Matemática: espaço, medida, múmero, espaço/medida; número/medida; História: tempo, cultura, trabalho, sociedade; Geografia: espaço, sociedade, natureza, trabalho. O texto toma cada um deles e os analisa dentro de outros ámbitos disciplinares. Finalmente, afirma-se que essa hipótese de construção curricular fundamentada em conceitos nucleares, visaria a flexibilização das fronteiras disciplinares no interior do universo escolar.