29/11/2019 – Alexandre Guerra
Em 25 de novembro de 2019, Bolsonaro declarou que irá enviar para o Congresso Nacional um projeto de lei para autorizar o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reintegração de posse em propriedades rurais. O anúncio foi feito logo após o presidente da República defender o excludente de ilicitude, que pode isentar agentes de segurança pública (policiais civis, militares, federais, entre outros) que cometerem atos violentos como matar em serviço. A medida é apoiada pela bancada ruralista do Congresso.
As GLOs são operações autorizadas pelo Poder Executivo com a participação de agentes de segurança pública. Atualmente, a responsabilidade de convocar forças de segurança para reintegração de posse via decisão judicial é dos governos estaduais. Segundo Bolsonaro, é necessária intervenção federal uma vez que as gestões estaduais têm trabalhado com morosidade para reintegração de posse. Para além da percepção do presidente, a questão é delicada e deve ser tratada com cautela para evitar o aumento dos conflitos no campo, como o massacre de Eldorado.
Uma vez aprovada, a iniciativa do governo federal de uso da GLO rural irá elevar a concentração de terra no país, aumentará a violência no campo, ameaçará os movimentos sociais de acesso a terra e favorecerá os grandes proprietários de terra. Por meio de uma nota, o Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) se posiciona contra o anúncio de Bolsonaro e aponta para o aumento da violência em territórios de camponeses, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e comunidades tradicionais – Leia a nota.
Nota do MST sobre proposta de Bolsonaro de uma GLO Rural
A recente declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a criação de uma Garantia de Lei e da Ordem (GLO) Rural é uma explícita ameaça aos movimentos sociais, especialmente ao MST, que foi citado nominalmente nesta segunda-feira (25), no Palácio da Alvorada.
Através da GLO Rural, segundo a proposta do presidente, as Forças Armadas poderiam ser utilizadas em ações de reintegração de posse. Pelo visto, tal medida complementa o PL (Projeto de Lei) do excludente de ilicitude em GLO, enviado na semana passada pela presidência da República ao Congresso. O excludente de ilicitude foi proposto inicialmente no pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, mas enfrentou forte rejeição por parte do Congresso.
O excludente de ilicitude nada mais é do que uma licença legal para matar e reprimir a luta social, ou seja, agentes de segurança pública e das forças armadas serão eximidos de responsabilidades sobre agressões e mortes se forem praticadas sob situações de “pressão emocional” ou que justifiquem segundo eles, o emprego da força ostensiva. Isso deve ampliar o extermínio que já acontece contra pobres, negros, periféricos, Sem Terra, indígenas, lutadores e lutadoras e defensores do meio ambiente.
Reiteramos que é importante entender essas medidas do governo sob o espectro das lutas na América Latina. O governo Bolsonaro tenta inibir que qualquer processo de mobilização e manifestação chegue ao país e faça frente às duras reformas promovidas pelo seu governo. Não à toa, temos ouvido cada vez mais membros do governo falar em AI-5, e essas declarações fazem parte do clima político vivido na América Latina e o quanto isso pode ascender aqui no Brasil.
Essa defesa cega da propriedade privada feita pelo governo Bolsonaro nos coloca numa situação anterior à lei de terras de 1850. Além disso, medidas e declarações como essas colocam combustível nos conflitos já em curso no campo, principalmente nas áreas indígenas. Essa GLO certamente não será empregada contra grileiros, invasores de terras públicas da União e terras devolutas.
Por isso, aqui fica a pergunta: Jair Bolsonaro, você pretende aplicar a GLO contra os invasores de terras indígenas Yanomamis em Roraima, por exemplo? Contra os invasores da reserva legal do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, onde foi assassinada irmã Dorothy, no Pará? Contra grileiros de terra como a Cutrale? Provavelmente não! No entanto, essa medida imparcial e cruel não chega a ser uma surpresa, pois está em consonância com esse desgoverno que rasga sistematicamente a Constituição brasileira e governa para as elites.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra existe em função da denúncia da concentração da terra, que é parte central no eixo das violações dos direitos humanos no Brasil. Isso se deve ao fato de o país possuir uma enorme quantidade de latifúndios improdutivos — herança do modelo colonial, e de terras públicas griladas por particulares, o que demanda que os trabalhadores rurais se organizem através de movimentos e associações pressionem o Estado Brasileiro a realizar a prometida reforma agrária, garantindo assim o cumprimento da função social da terra, previsto na Constituição Federal de 1988.
A defesa dos direitos humanos é parte do processo histórico das lutas dos povos e sua conquista, e bem como sua garantia, depende da capacidade de organização e de luta dos trabalhadores e trabalhadoras e dos demais setores expropriados dos bens essenciais a sobrevivência humana. Diante desse cenário, o MST reafirma sua disposição na luta pelo livre direito de manifestação previsto em Constituição e pelo cumprimento da função social da terra também previsto em Constituição.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 26 de novembro de 2019.