O ensino de ciências ainda está pouco focado em estimular o estudante a pensar de forma científica para resolver problemas; mas há projetos tentando mudar isso
Por Natalia Pasternak
Imagine se na escola, na aula de ciências, você tivesse oportunidade de fazer uma “noite no museu”, observar planetas, fazer um modelo do sistema solar e construir modelos de foguetes? Ou participar de um projeto da NASA e caçar asteroides? Ou ainda, ter a oportunidade de responder a um problema real da sociedade, fazendo experimentos em um laboratório dentro de uma universidade? Alunos de escolas públicas de Araruama (RJ), Taperoá (PB) e Serra (ES) fizeram tudo isso, e muito mais.
Os professores responsáveis por estes projetos, todos em escolas públicas, foram agraciados na última semana com o prêmio “Educação Científica”, concedido pela Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FESBE), em parceria com o Instituto Questão de Ciência (IQC). A proposta é estimular a criatividade no ensino de ciências, formando pensadores críticos e questionadores. O ensino de ciências no Brasil, e em boa parte do planeta, ainda é feito de modo excessivamente conteudista: muito focado em apresentar a ciência como uma lista de fatos que caem na prova, algo pouco capaz estimular o estudante a pensar de forma científica para resolver problemas. Os premiados de 2022 trouxeram projetos que envolveram muito empenho e engajamento, tanto dos professores como dos alunos.
O terceiro lugar ficou com Luísa Rieth Uber, da Escola Municipal Agostinho Franceschi, em Araruama. Ela implementou um projeto chamado “Aula Noturna”, com uma imersão em temas de Astronomia e Astronáutica. Os alunos fizeram modelos do sistema solar, construíram foguetes com garrafas de PET, fizeram observação da Lua Cheia com lunetas caseiras, confeccionadas com canos de PVC e lentes recicladas. E ainda participaram de uma roda de conversa com duas cientistas do projeto Minerva Rockets UFRJ, do time aeroespacial da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O segundo lugar coube a Felipe Sérvulo Maciel Costa, da Escola Cidadã Integral Técnica Estadual Melquíades Vilar, em Taperoá. Felipe envolveu alunos do segundo ano do ensino médio com a astronomia, usando o aplicativo Stellarium, um simulador do céu, e o projeto de busca de asteroides IASC (International Astronomical Search Colaboration – Colaboração Internacional de Busca Astronômica), da NASA. Os alunos descobriram três asteroides que nunca tinham sido detectados, e que agora já estão catalogados no site da NASA.
O primeiro lugar foi para Camila Reis dos Santos, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Rômulo Castello, em Serra. Durante seu doutorado, Camila, que continuou atuando como professora de ciências enquanto trabalhava na tese, colocou uma questão social para os alunos. Partindo de uma reportagem publicada no portal G1, sobre o problema da salinização em áreas irrigadas do Nordeste, a professora estimulou os estudantes a desenhar um estudo para avaliar estratégias de recuperação de sementes submetidas à seca e salinidade. Os alunos tiveram acesso aos laboratórios da Universidade Federal do Espírito Santo para dar início aos experimentos, aprenderam técnicas de germinação de sementes, conceitos científicos importantes como grupos controle e, principalmente, tiveram a oportunidade de conduzir um experimento científico para responder a uma questão real.
Trabalhos como estes, e o esforço dos mestres e alunos, servem de exemplo, inspiração e alerta. Os projetos foram iniciativa dos professores, em seu tempo livre. Formar pessoas capazes de pensar de forma crítica e racional produz cidadãos menos vulneráveis a notícias falsas e mentiras. Luísa, Felipe e Camila mostraram que é possível. Mas ensinar a pensar de forma científica deveria ser a regra, não a exceção. Projetos de ciência “mão na massa” para jovens deviam ser política pública, não depender de mestres heroicos e abnegados.