A crise econômica e a má condução no enfrentamento da pandemia de covid-19 trazem graves consequências para a juventude brasileira em todas as dimensões da vida social, inclusive em suas possibilidades de inserção em um trabalho decente: as taxas de desemprego, a precariedade dos vínculos e a desistência na busca por trabalho explodem, sobretudo, entre os segmentos juvenis mais pobres, entre as jovens mulheres, as pessoas negras e moradoras das periferias.
É nesse contexto que surge mais uma tentativa de fazer passar a boiada. Dessa vez a proposta do governo é retirar direitos trabalhistas e, mais uma vez, transferir os custos da crise para a juventude que busca seu lugar no mercado de trabalho.
A Medida Provisória nº1045, que institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, vem sendo apresentada como uma estratégia para enfrentar a piora de todos os indicadores de acesso e permanência no trabalho.
No entanto, as modificações feitas no texto dessa Medida transformam a proposta num perigoso mecanismo de degradação das condições de trabalho, atingindo duramente o sistema de direitos trabalhistas e de acesso à justiça do trabalho, principalmente por incluir, sem nenhum diálogo social, dois novos programas: o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (PRIORE), que reedita as propostas da “carteira verde-amarela”, já rejeitada pela sociedade e pelo parlamento brasileiro, ) e o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (REQUIP), uma nova modalidade de trabalho para jovens de 18 a 29 anos que, embora travestida de qualificação profissional, é totalmente desprotegida, e afronta toda a legislação de garantia de direitos da juventude.
Nessa modalidade proposta, o/a jovem não tem qualquer tipo de vínculo empregatício; não recebe salário, mas somente um “bônus de inclusão produtiva” (paga com recursos públicos) e uma “bolsa de incentivo à qualificação” (paga pelo empregador) ambas com valor máximo de R$275,00. O período de férias é trocado por um recesso parcialmente remunerado, o vale transporte também não é pago integralmente e não há recolhimento previdenciário, afetando a aposentadoria.
Trata-se, assim, de uma modalidade de trabalho altamente precarizada, que transforma o/a jovem em “trabalhador de segunda classe”, em uma clara discriminação negativa em função da idade, como aponta nota do Ministério Público do Trabalho. Isso fere profundamente os princípios do Estatuto da Juventude, que estabelece, no seu artigo 14, que todo jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e com proteção social.
O preço, no entanto, não é alto apenas para jovens: o Requip funciona com subsídios públicos, ou seja, toda a sociedade custeará um programa que produz vínculos frágeis para o/a jovem que busca emprego. Além disso, diversos estudos já apontaram que há nesse tipo de proposta um risco altíssimo das empresas substituírem seus atuais empregados para reduzir custos com a folha. Dessa forma, podemos dizer que toda a sociedade paga, enquanto poucas empresas efetivamente se beneficiam.
A MP cria outro grave problema, ao praticamente levar ao desmonte da lei da aprendizagem, ferindo gravemente os princípios estabelecidos pelo ECA e pelo Estatuto da Juventude, permitindo que a empresa contabilize o jovem admitido na modalidade do Requip no percentual que deveria ser garantido para a presença de jovens aprendizes – a cota mínima da legislação vigente é de 5% da mão de obra que demanda qualificação profissional. Assim, as empresas poderão deixar de contratar aprendizes, que estariam em condição de trabalho especial e mais protegido, para contratar jovens em condição muito mais desvantajosa, gerando o esvaziamento da cota de aprendizagem.
Sem tomar as medidas que garantam trabalho decente para jovens brasileiros, essa proposta, se aprovada no parlamento e executada pelo governo federal, certamente produzirá uma significativa piora nas condições de trabalho das/os jovens, que hoje já estão entre as maiores vítimas da crise sanitária, econômica, social e política do País. .
As soluções para enfrentar os agravamentos das dificuldades e desigualdades que explodem na sociedade brasileira não podem ser feitas às custas dos direitos e da proteção dos mais pobres e mais vulneráveis, como os jovens em busca de emprego. A juventude precisa de políticas públicas de geração de trabalho e renda, que ampliem suas chances no presente e no futuro, não de falsas soluções que interessam a poucos.
Nós, organizações, redes, movimentos, pesquisadores/as e técnicos/as do campo da juventude defendemos que essa proposta seja rejeitada pelas consequências negativas que engendra, implicando na piora das condições de trabalho de parcelas significativas da juventude. Ao invés de soluções que geram desproteção, é preciso que sejam construídas, com urgência, alternativas concretas que garantam o direito à renda, à formação profissional e ao Anna trabalho decente, em sintonia com o que preconizam o Estatuto da Juventude e a Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude.
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