Juliana Passos
Quando iniciou seu doutorado, em meados da década de 1980, Rosana Glat, professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), tinha a proposta de realizar um estudo sobre as famílias de pessoas com deficiência intelectual. Ao participar de um congresso sobre direitos de pessoas com deficiência, em 1986, quando pela primeira vez no País pessoas com deficiência intelectual tiveram a oportunidade de discutir questões relativas à sua condição, ela decidiu mudar o rumo da pesquisa. “Fiquei tão impactada que desisti de entrevistar as mães e fui entrevistar os filhos. E agora, resolvi voltar às raízes para entender os impactos das políticas de inclusão”, conta a pesquisadora. Com financiamento do programa Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, a educadora desenvolve a pesquisa “Falando de si: estudos sobre autopercepção e histórias de vida de pessoas com deficiência intelectual”.
Realizado em 1986, o IX Congresso Mundial da Liga Internacional de Associações para Pessoas com Deficiência Mental (ILSMH) aconteceu no Rio de Janeiro e contou com o que foi chamado de “Congresso Paralelo”, em que 150 pessoas com deficiência intelectual, representando 15 países, tomaram o protagonismo do espaço. De lá para cá, muitas legislações foram criadas para a inserção de deficientes nas escolas e no mercado de trabalho. No entanto, como registrado em trabalhos recentemente publicados por Rosana e colaboradores, o preconceito e a “super proteção” dos familiares continuam sendo enormes barreiras de acesso a esses espaços. “Há um estigma de que a pessoa com deficiência intelectual é aquela pessoa incapaz, dependente. Há muita proteção tanto por parte das famílias quanto dos profissionais. E se você for criado para ser dependente, que perspectiva de vida você vai ter?”, questiona a educadora.
A pesquisa parte do pressuposto que existe uma capacidade de aprendizagem, no sentido amplo do termo, em qualquer pessoa, ainda que a deficiência imponha limitações que demandam, em muitos casos, de suportes específicos. Rosana explica que, a partir dos anos 1980, o debate sobre Direitos Humanos ganhou força e se falava muito em inclusão das pessoas com variadas deficiências. No entanto, pouco se fazia na adaptação das salas de aula para receber, por exemplo, os estudantes com deficiência intelectual. “Entendemos que o nível de autonomia e participação vai depender de cada sujeito, de suas oportunidades e experiências de vida”, explica.
Exemplos disso são as falas que a pesquisadora e colaboradores encontraram em estudo realizado em escolas no Rio de Janeiro, no Amazonas e na revisão de literatura sobre a temática. “As falas analisadas representam um indício de que gradativamente essas pessoas estão se colocando como protagonistas de suas vidas, e apontam para a demanda de pesquisas que privilegiem a escuta que legitime as vozes das pessoas com deficiência intelectual”, escreve Rosana, em coautoria com Joab Grana Reis, professora da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Suéllen Melo Araújo, mestranda em Educação pela Uerj. Em muitos casos, os entrevistados falaram sobre o desejo de trabalhar, de se sustentar, de ganhar seu dinheiro. “Alguns se tornarão líderes. Na próxima eleição um integrante do movimento de autogestão / defensoria será candidato a vereador. Todo esse movimento é individualizado e o nível de autonomia e participação vai depender de cada sujeito. Da mesma maneira que a pessoa surda precisa de um intérprete de libras, a pessoa com deficiência intelectual às vezes precisa de um apoiador ou ficará perdida”, diz.
Como consultora voluntária da Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Rosana tem acompanhado a evolução do movimento em prol da autogestão ou defensoria de pessoas com deficiência intelectual, e tem visto muitos pais se surpreenderem com a capacidade de autonomia de seus filhos nos congressos da entidade. No Brasil, o movimento tem os mesmos preceitos do “People First”, criado nos Estados Unidos e Canadá. A proposta é lembrar que apesar do rótulo, quem tem deficiência mental é, antes, uma pessoa. “Nenhum método consegue dizer que a pessoa chegou ao máximo da sua capacidade. Falar em inclusão social é muito bonito, mas ninguém pode incluir os outros. Então, é preciso criar condições para que as pessoas se conscientizem de sua condição e que têm, como todas as demais, todos os direitos de usufruir das oportunidades disponíveis em sua comunidade”, finaliza.