O cerne da contradição a ser tratada está no governo federal estar usando a existência da federação para justificar, quando possível, a retirada de poder de ação dos governadores
Por Bruno Sobral*
Nossa história republicana sempre colocou o centro das atenções e dos debates nas iniciativas do governo federal. Diante do centralismo de nossa estrutura tributária e de serem suas prerrogativas as políticas monetárias (e obviamente cambiais), isso tem uma justificativa compreensível. A isso se soma exemplos como o Regime de Recuperação Fiscal – RRF, o que evidencia uma prática clara de tutela sobre o governo estadual do Rio no âmbito das práticas de gestão pública. Desde a época da assinatura do RRF, manifesto-me em flagrante oposição a esse efeito, o que hoje cria uma série de constrangimentos ao governo estadual fluminense conseguir fazer tudo que poderia do ponto de vista de gasto público. E mais, num quadro de uma pandemia, ainda há necessidade de evitar novas tutelas do governo federal.
Portanto, há o risco de ganhar força maiores restrições limitando a possibilidade de construirmos uma visão estratégica e sua estrutura de planejamento correspondente a partir dos interesses regionais. Porém, o quadro socioeconômico com essa enfermidade permitiu o limiar de uma ação política de maneira federativa finalmente. Diversos governadores vêm assumindo protagonismo, trocando experiências e trazendo para o espaço nacional o debate de como definir o tratamento de suas especificidades. Na correlação de forças esses é um fato novo que pode trazer um grande aprendizado.
Isso depende de as grandes forças políticas em nosso estado e no país derem atenção a essa possibilidade, o que representa a chance de uma superação estrutural. Isso significa que não basta o sentimento de perplexidade e focar na crítica pela crítica das vacilações do governo federal. O cerne da contradição a ser tratada está no governo federal estar usando a existência da federação para justificar, quando possível, a retirada de poder de ação dos governadores. Como resposta, cabe a indignação popular ser direcionada para a defesa da federação em suas duas orientações principais: respeito à autonomia dos entes e oferta de soluções inovativas de cooperação e coordenação.
Por um lado, a crítica articulada a qualquer hesitação e resistência do governo federal ao diálogo continuado. Por outro lado, a defesa sem trégua do protagonismo dos governos estaduais. Isso pela maior capacidade de oferecer resposta rápida a população no âmbito de sua autonomia legal. Por consequência, apoio a seus esforços políticos para nacionalizar o problema, buscando mecanismos de coordenação cujo governo federal seja cobrado a garantir a eficácia e a efetividade.
Infelizmente isso não foi possível nos debates anteriores, como na época da assinatura do Regime de Recuperação Fiscal em que havia um quadro comum de endividamento dos estados. Naquela circunstância, descuidou-se e os pleitos do Rio foram conduzidos isoladamente. Não obstante, com a pandemia, isso está maduro para solução cooperativa como um movimento histórico já em curso, e inclusive pode influenciar que o RRF seja revisto e reformado para que garanta prioridade a responsabilidade social e uma alternativa mais segura de desenvolvimento econômico. Por exemplo, com a proposta de suspensão temporária da dívida dos estados.
Diante disso, é um falso dilema posto na opinião pública se o mais importante agora é salvar vidas ou a economia. É possível e necessário cuidar de ambos juntos. Qualquer grande transformação que pode passar a Nação para proteger seu povo e recuperar sua vitalidade produtiva dependerá de um novo pacto federativo que pode nascer dessa oportunidade.
*Bruno Sobral é diretor da DIPLAN/UERJ e coordenador da Rede Pró-Rio