“Estamos vendo a ponta de um grande iceberg”, diz Roberto Medronho, da UFRJ
Roberta Jansen
O Brasil teria hoje mais de 17 mil casos do novo coronavírus – onze vezes mais do que os 1.546 registrados oficialmente. A estimativa é do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da London Schoolof Tropical Medicine, do Reino Unido, que fez uma estimativa da subnotificação da covid-19 em vários países. O levantamento mostra que no Brasil apenas 11% do total de casos foram diagnosticados.
“Estamos vendo a ponta de um grande iceberg”, afirmou o epidemiologista Roberto Medronho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não participou do estudo, mas analisou os dados a pedido do Estado. “As minhas estimativas eram bem similares, cerca de 10%, mas isso não é, necessariamente, uma falha do sistema.”
Isso acontece, segundo especialistas, porque a grande maioria (cerca de 80%) dos casos da infecção pelo novo coronavírus é assintomática ou apresenta sintomas muito leves e acaba não sendo diagnosticada. Atualmente, no Brasil, apenas os casos mais graves, que chegam aos hospitais e são testados, estão recebendo o diagnóstico oficial.
“Dentre os casos que apresentam sintomas, apenas uma parte procura o sistema de saúde”, explicou Medronho. “Desses que vão ao hospital, apenas parte é diagnosticada como covid-19 e outra parte pode receber um diagnóstico errado. E ainda tem casos que não são notificados oficialmente.”
O mesmo estudo mostra que na Itália, que enfrenta uma das piores epidemias, o percentual de casos diagnosticados corresponderia a apenas 4,6% do total real. Número parecido com o da Espanha, 5,3%. França e Bélgica têm percentuais similares ao do Brasil, respectivamente 9,2% e 12%.
Por outro lado, nos países que tiveram resultados melhores na contenção da epidemia, como a Coreia do Sul e a Alemanha, os percentuais de casos diagnosticados seriam bem mais próximos do número real, respectivamente 88% e 75%.
Isso ocorre porque esses países tiveram condições de testar a grande maioria de sua população – mesmo a que não apresentava sintomas – isolando imediatamente todos aqueles cujo teste deu positivo. Por isso a Organização Mundial de Saúde (OMS) insiste que a testagem em massa é fundamental. O problema é que não há testes disponíveis na escala que seria necessário para o Brasil, com 210 milhões de habitantes.
“Esse levantamento mostra que a estratégia de testagem em massa e isolamento daqueles que testam positivo tem um grande impacto na redução da curva de crescimento da doença”, explicou Medronho. “A redução da subnotificação é importante e é crucial que o ministério esteja se adequando a essa diretriz, e aumentando a testagem.”
Embora o estudo tenha sido feito por uma das mais respeitadas instituições científicas do mundo, ele não foi ainda publicado em uma revista científica, o que significa que não foi revisado por outros especialistas. Esse procedimento é aceitável em um momento de pandemia, em que a rapidez na divulgação de informações como essa pode ser importante para elaborar e aprimorar políticas públicas.