O dicionário define: um dos significados da palavra “troca” é “transformação”. Por meio da partilha, as pessoas mudam, crescem, evoluem. Foi o que aconteceu na terceira edição do festival Rio Refugia, realizado na última quinta-feira (20), no SESC Tijuca, zona norte da cidade.
Com um público estimado em quase 4 mil visitantes, o evento para o Dia Mundial do Refugiado reuniu pessoas em situação de refúgio e brasileiros que celebraram juntos suas semelhanças e compartilharam experiências por meio da arte e da gastronomia.
O objetivo do Rio Refugia, organizado por Programa de Atendimento a Refugiados (PARES) da Cáritas RJ, SESC RJ, Abraço Cultural e feira Chega Junto, com o apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), é valorizar os talentos das pessoas refugiadas e chamar atenção para os desafios que elas enfrentam, como a integração econômica e social.
Segundo o representante adjunto do ACNUR no Brasil, Federico Martínez, o festival oferece também uma oportunidade para agradecer e reconhecer o trabalho das comunidades de acolhida.
“Um evento como o Rio Refugia permite reunir pessoas para compartilhar na diversidade, na riqueza, e para ter momentos mais tranquilos a fim de fortalecer esse relacionamento. E comprova grandes avanços em termos de convivência pacífica, integração cultural e reconhecimento do outro”, disse Martínez.
Foram oferecidas cinco oficinas: de turbantes, tranças, tatuagem de henna, caligrafia árabe e brinquedos populares da Venezuela. O tamanho das filas foi a demonstração do interesse dos participantes. Quem estava escrevendo o nome das pessoas no alfabeto árabe era Mohammed el Jazouli. Além de fazer a transliteração, ele explicava como a leitura tinha que ser feita: da direita para a esquerda.
Sua simpatia o tornou uma celebridade — todo mundo queria tirar uma foto com o artista. O marroquino, há quase 10 anos no Brasil, classifica a diferença entre as culturas como uma riqueza, e comemora o sucesso do trabalho. “Eu passo um pouco da cultura, com amor, fico mais próximo do outro e me lembro de casa, em uma rica mistura”, celebrou.
Muitos visitantes quiseram aprender a arte de amarrar turbantes à cabeça. Já as tatuagens de henna chamaram a atenção de um grupo de estudantes que estava gravando um documentário para uma matéria da escola sobre os refugiados. De acordo com Gabriela Costa, de 17 anos, é necessário falar sobre o assunto para acabar com preconceitos e tabus.
Outra aluna do grupo, Carina de Souza, de 16 anos, aproveitou a chance para conversar – e aprender – com a venezuelana responsável pela oficina, e ficou impressionada com a história da refugiada. “Ela disse que conseguiu falar português em apenas seis meses, mesmo vindo para cá com quase nada, sozinha, se virando. Acho isso incrível porque mostra a capacidade de sobrevivência dela”, relatou.
Sabores do mundo
As comidas típicas não podiam ficar de fora. Entre os visitantes, quem era refugiado matava a saudades de casa e quem era brasileiro aproveitava para conhecer as iguarias apresentadas em tendas de países como Venezuela, Síria, Nigéria, Colômbia e República Democrática do Congo.
Entre os pratos vendidos, fez sucesso o nigeriano arroz jollof com curry e pimenta, acompanhado de carne ou frango, banana da terra e salada. Foi a escolha da professora Márcia Andrea Nascimento, de 54 anos. “O que eu puder comprar para ajudar e manter esse trabalho, estou junto. O Brasil tem tudo para receber essas pessoas. Faz parte da nossa natureza ser hospitaleiro”, disse.
Para o congolês Yves Abdallah, de 27 anos, o Rio Refugia oferece essa dupla oportunidade para as pessoas refugiadas. Apesar da origem, ele se apaixonou pela culinária haitiana no Brasil e hoje ajuda a promovê-la em eventos gastronômicos no Rio de Janeiro.
“Fazemos bolinho de mandioca, banana frita, comida totalmente vegana, saudável, boa para o coração e para a memória. E aproveitamos para explicar ao mundo o que é um refugiado, o que o refugiado está fazendo aqui. Não estamos aqui para roubar emprego de ninguém. Estamos aqui com um propósito. Refugiado não é fugitivo”, explicou.
O Rio Refugia apresentou ainda artesanato colombiano e africano, aula de dança, música de ritmos africanos e show do Coral do Rei, que levantou o público e fez o SESC Tijuca parecer um grande festival de música.
Para a venezuelana Norma Carillo, o evento teve um gostinho especial. Ela aproveitou para comer as típicas arepas do seu país e celebrou um feliz reencontro com amigos com os quais havia compartilhado os desafios dos primeiros meses no Brasil.
”Para nós, esse evento tem muita diferença em relação ao ano passado. No último Rio Refugia, eu e as pessoas que haviam chegado comigo em março de 2018 estávamos todos desempregados, sem dinheiro, preocupados. Agora a maioria está trabalhando, empregado ou empreendendo”, comemorou.