Documentário de Cacau Rhoden registra depoimentos de alunos de escolas públicas das cincos regiões do Brasil

por Xandra Stefanel, especial para a RBA publicado 07/06/2017 13h03

“Como meus pais não foram bem sucedidos na vida, eles também não me influenciavam, não me davam força para estudar. Achavam que quem entrava na universidade era filho de rico. Acho que eles não acreditavam que o pobre também pudesse ter conhecimento, que pudesse ser inteligente. Para eles, o máximo era terminar o ensino médio e arrumar um emprego: trabalhador de roça, vendedor, alguma coisa desse tipo. Acho que nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar.”


A declaração do estudante Felipe Lima dá nome e sintetiza bem o espírito do documentário Nunca Me Sonharam, longa-metragem de Cacau Rhoden, que estreia nesta quinta-feira (8) em circuito comercial em São Paulo e Rio de Janeiro, com sessões grátis no primeiro final de semana. Nas cidades onde ele não estiver em cartaz nos cinemas, ele estará disponível para exibições públicas gratuitas no Videocamp, uma plataforma de distribuição online de filmes de interesse social.
Enquanto o primeiro documentário de longa-metragem de Cacau Rhoden tratava sobre a importância das brincadeiras infantis para a formação social, intelectual e afetiva (Tarja Branca – A Revolução que Faltava), Nunca Me Sonharam se volta com a mesma sensibilidade para o universo dos adolescentes. Desta vez, o diretor se debruça sobre os desafios do presente, as expectativas para o futuro e os sonhos de quem vive a realidade do ensino médio nas escolas públicas brasileiras.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad-IBGE, 2015), 82% das crianças e jovens até 19 anos que estão estudando no Brasil são atendidos pela escola pública e 1,6 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos estão fora das salas de aula. O filme traz histórias de alunos que tiveram de abandonar os estudos para trabalhar, de estudantes que deixaram as salas de aula por se sentirem incapazes de acompanhar o desenvolvimento dos outros colegas, de jovens que simplesmente não entendem como o que eles aprendem na escola pode lhes ser útil para a vida e para conseguirem um lugar ao sol… Mas o filme vai muito além disso.
A primeira parte do documentário mostra como a castração dos sonhos geralmente é cruel, daí o panorama desanimador porém realista constatado hoje em dia no sistema público de educação. Nisso, pode até não haver novidade. O que surpreende, no entanto, é que aos poucos, sem que seja óbvio, o filme vai se transformando em uma agradável e realista proposição de como é possível mudar este cenário educacional brasileiro.
Gestores, professores e especialistas dão depoimentos muito precisos, mas são sobretudo os alunos que mostram que têm voz e iniciativa para promover mudanças, basta que suas ideias e opiniões sejam ouvidas e levadas em consideração. Nunca me Sonharam reflete sobre o valor da educação, mostra que é preciso deixar os jovens sonharem e que os sonhos deles podem, sim, fazer do Brasil um país menos desigual.
“Para a juventude mais vulnerável, menos favorecida, a infância se encurta: você brinca menos, você está assediado pela iminência de trabalhar mais cedo, você tem uma relação com a aprendizagem e com a educação que é fortemente instrumental, ou seja, aprender uma atividade ou um ofício para a profissão, aprender a versão mais simples das coisas, aprender sem ambicionar muito. Essa compressão da adolescência e da infância produz o que me parece ser a principal sequela psicológica, que é o encurtamento dos sonhos. Isso é pior do que oferecer oportunidades reais não equitativas. Isso é matar o futuro”, aponta o psicanalista Christian Dunker.

Sonhar no coletivo
“É muito sonho, muita ideia e pouca gente escutando para realizar”, declara o diretor teatral, escritor e cineasta Marcus Faustini. O que Cacau Rhoden faz neste filme é exatamente isso: escutar o que os jovens têm a dizer sobre o que esperam da vida e do mundo. E em suas andanças pelo Brasil, o diretor encontrou uma juventude interessada e preocupada com o futuro, ávida para estabelecer diálogo e aproximação com as instituições educacionais.
“Ao começar a desenvolver o filme, fui investigar em que condições se dá o ensino médio nas escolas públicas do Brasil e porque os jovens estão abandonando a escola. Os obstáculos que os estudantes enfrentam no convívio em sociedade impactam diretamente não só suas vidas particulares, mas a escola e a educação como um todo, o que gera um ciclo vicioso. Ao dar voz aos jovens, percebemos que, apesar de todas as adversidades enfrentadas, eles estão se autoproclamando protagonistas de seus caminhos, da sua educação, em busca de seus sonhos”, declara o diretor.
Em tempos de tanta desesperança nas ruas, Nunca Me Sonharam chega a ser um bálsamo para aqueles que andam descrentes quanto ao futuro do país. Assim como o documentário Resistência, de Eliza Capai (também disponível no Videocamp), este filme evidencia que aqui, bem debaixo dos nossos olhos, vivem e lutam juventudes que querem um futuro mais gentil com todos, independentemente de classe social, raça ou orientação sexual.
“Este jovem, eu acho que ele pode reinventar algo além. Ele está livre para poder inventar a sua narrativa, para andar pela cidade e para inventar um lugar. Deixem os jovens inventarem o mundo!”, reivindica Marcus Faustini. E a “reinvenção” do mundo pode começar pela escola. Como diz a professora, mestre em Educação e secretária de Educação de Minas Gerais, Macaé Evaristo, se “mesmo a escola mais chata salva milhares de vidas no nosso país”, imagine as transformações que um sistema educacional público mais eficiente e inclusivo não seria capaz…
Assim como as iniciativas mostradas no filme, Nunca Me Sonharam parece ser uma semente de um sonho que é bastante possível. Afinal, utopia não é um conceito ligado ao impossível, mas sim ao idealizado. “Eu gostaria que isso fosse um incentivo para toda a sociedade repensar a escola pública, para que a educação, efetivamente, possa formar cidadãos preparados para fazer um país mais justo, menos desigual, onde as pessoas possam sonhar e realmente ter oportunidades”, declara Cacau Rhoden.

Rede Brasil Atual