Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase.
Nestes tempos de desânimo e tristeza com tudo que estamos vivendo, há momentos em que a gente nem consegue tocar o cotidiano. Como está difícil a gente ir levando aquelas tarefas do dia a dia, pegar uma condução e ir trabalhar, desenvolver as tarefas que nos cabem, planejar e fazer relatórios, participar de reuniões, ir a bancos para pagar contas e resolver os muitos problemas que eles nos criam – que teia que este maldito capital financeiro teceu em torno de nossas vidas! -, fazer compras em supermercados. E aí vai o nosso dia. Sou dos que ainda tem o impulso cívico de, ao menos, saber qual é a manifestação do dia na Cinelândia, centro do Rio, em geral um gesto em si mesmo triste porque a cidadania mobilizada é pouca para o tamanho do problema, sempre uma grande ameaça às conquistas democráticas dos últimos tempos.
O fato é que a gente cansa até de criticar. Bem, cansa se perder o sentido profundo do viver. Tristeza e desânimo nunca vêm sozinhos. Sempre a esperança e aquele sentimento de que amanhã vai ser outro dia vem junto. Viver é sonhar sempre, é imaginar outros mundos, é amar e ser amado, é querer o bem, é sentir-se motivado para dar sua mão, com criatividade, competência e energia para que tudo seja melhor. Isto, se a gente respeitar o que nos dizem aqueles minutinhos de meditação diária sobre o sentido do nosso viver, a gente descobre dentro de si e ninguém tira da gente. Por mais duras e difíceis que sejam as circunstâncias.
Escrevo isto porque, pensando em minha pequena crônica semanal – que tomo como um dever de ativista pelo que a vida me propiciou -, senti que a conjuntura política me dá asco e cansaço. Que figuras medíocres estão liderando a vida política do país! E que “fichas sujas” tem eles! Mudam ministros para nada mudar. Todos atentos no como seu nome aparece nas delações da “Lava-Jato”. E que papelão antidemocrático este do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal como protagonistas, quando não poderiam ser mais que zeladores dos direitos e da paz social! O fato é que, como democrata e cidadão, estou com nojo de tudo isto que ocupa os noticiários da grande mídia. Para onde pensam que vão levar o país?
Bem, naquele meu momento de meditação diária, logo pela manhã – longo para o comum dos mortais, pois fui treinado para meditar e dar conta de sentimentos e desejos profundos na adolescência e começo da juventude, no seminário capuchinho -, me dei conta, felizmente, que a vida está longe de ser aquilo que é notícia no dia a dia nos grandes meios de comunicação. Que representa o poder, os políticos e partidos, juízes e policiais? Que impacto pode ter a arrogância e desrespeito a regras constitucionais de personagens pequenos e arrogantes como os nossos Cunhas, Maias, Renans, Meireles e os Trumps e seu círculo de cúmplices no comando da Casa Branca, os Putins, as Merkels e as Le Pens deles? Que esperar de figuras como Temer e Jucá, que nada tem a propor além de zelar por seus interesses? Será que o sobe e desce de apostas de especuladores sobre a economia, que nos afetam sem dúvida, podem ser mais do que sinais da jogatina sobre nosso bem estar entregue às Bolsas de Valores? Será que nossa grande questão econômica é exportar mais e mais ou a falta de cuidado com o bem estar de nossa gente, a começar o direito a emprego e renda, e o cuidado com a nossa natureza, bem comum maior?
A vida merece ser vivida apesar de tudo. Como é bom levantar tendo amado e sendo amado! Como é bom dar uma caminhada num parque com o Sol nascente! Como é bonita a Lua crescendo no começo da noite! Pensar na vida que vibra nos netos, depois daquela das filhas, a gente é levado a crer sem limites nas suas possibilidades. Ver a beleza singular de uma flor e sentir seu perfume faz a gente se esquecer por um minuto. É bom tomar um traguinho e depois curtir um bom prato. É bom ler um romance, ver um filme e escutar uma boa música, deixando se impregnar pelas imaginações e emoções. É estimulante se somar a imaginários e projetos mobilizadores, crendo que, apesar de tudo, dá para fazer um mundo diferente e muito melhor. É gratificante sentir-se ainda motivado para fazer algo de bom, mesmo nas maiores adversidades.
Num momento interior e pessoal assim redescobri a certeza de que a vida vale a pena de ser vivida. E agradeci. Logo me ocorreu a bela canção de Violeta Parra, cantada para nós na voz engajada da saudosa Elis Regina. Gracias a la Vida, que me a dado tanto, sintetiza tudo o que sinto e que gostaria que todas e todos, com quem compartilho esta crônica, também sentissem. Apesar de tudo o que passa no momento, do local ao mundial, a vida continua. Temos dois olhos para ver as cores e a beleza que nos cerca, além de distinguir el negro del blanco y leer el abecedário. Temos dois ouvidos para ouvir a música e o canto, dos pássaros, da guitarra, do violão, do cavaquinho, o bumbo e de toda a orquestra, com seus violinos e flautas. E temos o olfato para sentir o perfume. A vida nos deu o tato, para sentir como é bom o carinho que suavemente roça a nossa pele! Tem algo mais gratificante em termos humanos do que abraçar e ser abraçado, beijar e ser beijado?
Estive cuidando de plantinhas neste fim de semana, na pequena Chácara Iru. Com o maior carinho, transplantei umas tantas plantinhas para lugares do jardim onde espero que desabrochem suas flores. Observei os sete patinhos de uma semana nadando no pequeno açude. Encantei-me com os quatro pequenos gatos enrolados, mamando na gata que os pariu esta semana. Acabei o dia classificando sementes, umas grandes, outras minúsculas até, mas todas cheias de segredos da vida, de pequeninhas plantas ou gigantescas árvores. Aí, tive a plena certeza que a vida continua. Nossa vida, de humanos, nada mais é do que um ponto de conexão numa enorme teia da vida. Aí estamos. Podemos tentar dominar tudo, mas será a morte, como, aliás, estamos fazendo com o nosso estilo de vida, determinados pelos interesses das grandes corporações em acumular riquezas, acumular mais e sempre acumular sem limites. Ou, podemos cuidar de tudo, mudando e transformando o que nos é imposto, com engajamento e determinação de cidadania convicta. Podemos ter a grandeza de pensar em netos e netas, no futuro das novas gerações e no indispensável que é manter a integridade das teias em que a vida se realiza. Aí vi que tudo pode ser e acontecer e é maior do que nós somos. Nada está determinado e, ao menos por enquanto, nada acabou. Por isto, gracias a la vida!
Rio, 11/03/17