POR ANTÔNIO GOIS

05/11/2018

O tema da redação na prova de ontem do Enem – Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet – foi relevante não apenas por sua atualidade, mas também por sinalizar para as escolas a importância de trabalhar nos alunos a construção de competências e habilidades para lidar num mundo em que nossas decisões – políticas, de consumo ou comportamentais – estão cada vez mais sujeitas à influência de algoritmos e estratégias manipuladas no ambiente virtual.

Essa questão é tão importante que consta também da Base Nacional Comum Curricular. Nas dez competências gerais listadas pelo documento, há várias que apontam para a necessidade de preparar melhor os jovens para lidarem com esse mundo onde a informação, tanto a de alta quanto a de baixa qualidade, está muito mais acessível. A Base fala, por exemplo, na necessidade de compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica e ética. Aponta também para a importância de saber argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis.

Entender como funcionam esses mecanismos de inteligência artificial – e de como somos influenciados por eles – é fundamental também para ajudar na qualificação de nossa democracia. Já citei aqui na coluna um interessante estudo publicado no ano passado numa das revistas cientificas da Associação Americana de Pesquisa Educacional, que identificava como a escola tinha influência na capacidade dos jovens de identificarem notícias falsas na internet.

No estudo, os pesquisadores Joseph Kahne e Benjamin Bowyer (das universidades da Califórnia e de Santa Clara) aplicaram um questionário a 2.101 jovens americanos de 15 a 27 anos. Eles mostraram argumentos políticos baseados em evidências (dando como fonte o Departamento de Estatística dos EUA), outros puramente emotivos, e outros claramente falsos. A primeira conclusão, em linha com o que já sabemos sobre como fazemos nossas escolhas, foi que jovens tinham dificuldade de identificar notícias falsas quando essas confirmavam suas crenças prévias, e duvidavam de notícias verdadeiras quando elas contrariavam ideias pré-concebidas.

Os pesquisadores aplicaram aos jovens também um teste de conhecimentos sobre política. Uma hipótese dos autores era a de que ter um grau de conhecimento mais amplo sobre o funcionamento da política ajudaria os jovens a identificarem notícias falsas e verdadeiras. Mas não foi isso que aconteceu. É uma conclusão relevante para pensarmos o papel das escolas: não basta transferir conhecimento para os alunos, sem trabalhar neles o pensamento crítico.

O fator que teve mais impacto na capacidade de jovens identificarem notícias falsas e verdadeiras (mesmo quando elas confirmavam ou contrariavam suas opiniões prévias) foi o fato de terem tido na escola aulas específicas que os prepararam para argumentar com base em evidências, e distinguir argumentos sólidos dos falaciosos.

Em tempos de debates rasos, alguns podem torcer o nariz para essa conclusão apenas por ela apontar para a necessidade de trabalhar o pensamento crítico nos estudantes. Desenvolver essa habilidade, porém, nada tem de ideológico. É algo que consta inclusive nos documentos da OCDE e dos currículos da maioria dos países desenvolvidos. É o pensamento crítico – muito mais do que leis inócuas como a do Escola Sem Partido – que ajudará os jovens a evitar qualquer tipo de doutrinação ou manipulação, seja ela de um professor, de pais, de políticos ou de máquinas de inteligência artificial.

FonteBlogs O Globo