ÁLVARO SÁNCHEZ
Madri – 03 MAR 2021 – 14:32
O anúncio de uma comunidade budista de Barcelona para captar interessados em passar um período de isolamento entre as silenciosas paredes de seu monastério reflete um estado de ânimo cujo enunciado teria sido diferente se não houvesse pandemia. “Cansado de tantas reuniões pelo Meet, Zoom e Teams? Se você precisa desconectar, respirar ar puro e se reequilibrar por dentro, dê de presente a você um Retiro de Paz Interior e renove suas energias!”, diz a mensagem. Os psicólogos prestam cada vez mais atenção aos efeitos desta mudança de hábitos em milhões de trabalhadores, acelerada pela emergência sanitária do coronavírus. Um estudo publicado pelo laboratório de interação humana da Universidade de Stanford (Estados Unidos) batiza o fenômeno como “fadiga do Zoom” e adverte para o estresse adicional causado pelo mosaico de rostos com os quais interagimos tão de perto, ancorados a uma cadeira, com dificuldades para captar a linguagem não verbal e ainda por cima com nossa face exposta ao escrutínio dos demais e à nossa própria autoavaliação na tela.
O autor desse estudo, Jeremy Bailenson, compara o fenômeno ao desconforto do elevador, onde se rompem as normas não escritas sobre a distância a guardar com estranhos, e a reação natural é desviar o olhar para minimizar o contato visual e compensar esse excesso de proximidade. “No Zoom acontece o contrário. Em uma reunião normal, independentemente de quem estiver falando, cada pessoa está olhando diretamente nos olhos dos outros”, explica. Não só isso: o elevador virtual é também um imenso espelho onde nos vemos refletidos. Para Bailenson, é algo semelhante a ter um assistente nos seguindo durante oito horas de trabalho, sempre levando um espelho onde vemos nossa cara enquanto cumprimos nossas tarefas.
Solucionar isso é simples: basta mudar a configuração para não nos vermos, mas a opção pré-determinada é ver o resultado de como a nossa câmera nos enquadra. Mas por que isto é negativo? Segundo o estudo, porque a autocrítica constante pode ser estressante, especialmente no caso das mulheres: cita um estudo em que um grupo delas reagia prestando mais atenção ao verem a si mesmas num vídeo ao vivo. Nenhum trabalho de campo abordou o que acontece quando essa exposição se prolonga durante várias horas, dia após dia. “Os usuários do Zoom veem reflexos de si mesmos com uma frequência e duração sem precedentes (exceto para aqueles que trabalham em escolas de dança cheias de espelhos)”, explica o pesquisador.
O esforço de comunicação também é mais árduo em comparação a um telefonema. O trabalho da universidade norte-americana cita experimentos que provam que se fala com um volume 15% mais alto quando se participa de uma videoconferência, e que a falta de proximidade física busca ser compensada exagerando na linguagem não verbal com movimentos de cabeça, ao assentir com mais insistência, ou olhando fixamente para a câmera. Além disso, fica mais complicado interpretar os olhares e gestos do outro, em comparação a interações diretas, o que gera um esforço extra para decifrá-los.
Outro incômodo do qual nem sempre os teletrabalhadores estão conscientes é que a videoconferência é uma forma de comunicação estática, o que a diferencia das conversas telefônicas ou ao vivo, pois não permite caminhar ao mesmo tempo, tornando-a menos natural. David Michael Hough, diretor de Educação da empresa Elsevier, especializada em saúde, calcula que mantém entre seis e nove reuniões por Zoom a cada dia na sua casa em Madri. “Acho que o conceito de fadiga existe, mas, se você estiver consciente disso, tem a chance de procurar um equilíbrio. Depois de muitas chamadas consecutivas preciso me afastar do meu computador”, diz. Entretanto, ele vê mais vantagens que inconvenientes: “Você pode reunir uma equipe global mais facilmente, documentos são compartilhados, as emissões de carbono diminuem, há mais transparência ao nos permitirmos entrar nos lares dos outros, e aumenta a empatia quanto às interrupções de familiares, de visitas ou do cachorro”, contrapõe.
A Universidade de Stanford considera que o estudo publicado é o primeiro a analisar a fadiga do Zoom sob um ponto de vista psicológico. O artigo, publicado na revista Techology, Mind and Behaviour da Associação Americana de Psicologia, se baseia em estudos acadêmicos, embora seu autor ressalve que os leitores devem considerá-lo como um conjunto de argumentos capazes de ajudar tanto o Zoom como seus usuários a melhorarem as interações, e não como conclusões científicas inapeláveis. Medidas como usar um teclado externo para aumentar o espaço em relação à tela, reduzir o tamanho da janela do Zoom no monitor, desligar a câmera periodicamente se você não estiver falando e mover-se um pouco pelo cômodo estão entre os conselhos para reduzir essa fadiga.
A sensação de abuso no uso cotidiano de uma ferramenta que até poucos meses era praticamente desconhecida para muita gente atinge até mesmo o seu criador. Segundo a Bloomberg, Eric Yuan, fundador e executivo-chefe do Zoom, queixou-se de sua apertada agenda de videoconferências em abril passado. “São muitas reuniões pelo Zoom, odeio”, chegou a dizer.