Foto: site compromissocampinas.org.br

A Lei nº 12.711/2012, mais conhecida como Lei de Cotas, assegura metade das vagas de universidades públicas a alunos de escolas públicas, autodeclarados pretos, pardos, índios e deficientes, com renda inferior ou igual a 1,5 salário mínimo. A Lei, que entrou em vigor no ano de 2012, gerou bastante polêmica na época.

Uma das críticas feitas pelos que se opunham à Lei era a possibilidade de o rendimento acadêmico piorar com a criação das cotas. No entanto, uma recente pesquisa analisou o desempenho de mais de 1 milhão de estudantes no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), entre 2012 e 2014.

Segundo o site Agência Fapesp, a pesquisa foi realizada pelo professor titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jacques Wainer, e pela professora associada da Rossier School of Education da University of Southern Califórnia, Tatiana Melguizo. Os resultados foram publicados na revista Educação e Pesquisa, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

A pesquisa revelou que o desempenho dos alunos que tiveram acesso ao ensino superior em universidades públicas a partir das ações afirmativas foi superior aos que ingressaram pela ampla concorrência. De acordo com o estudo, os alunos analisados equivalem a um terço do número total de alunos de ensino superior formados no período. Os dados do levantamento comprovam que era infundado o receio sobre uma possível queda do rendimento acadêmico.

No entanto, desde que a Lei começou a vigorar, o dia a dia das universidades se tornou diferente. Menos elitizadas, as universidades públicas brasileiras agora contam com a participação de alunos de diversas classes sociais. Todavia, é preciso lembrar que, apesar do bom desempenho, alguns ainda sofrem discriminações no espaço universitário.

A discriminação presente entre os alunos

A estudante cotista Michelle Amâncio, aluna do 3o período do curso de Comunicação Social da UFRJ, afirma que foi alvo de preconceitos e comentários maldosos no início de sua vida acadêmica.

Imagem de Michelle Amâncio, estudante cotista e aluna do terceiro período do curso de Comunicação Social da UFRJ.
Michelle Amâncio, estudante cotista e aluna do 3o período do curso de Comunicação Social da UFRJ. Foto: Lusiane Sousa (CoordCOM / UFRJ)

“Eu enfrentei duas dificuldades logo na primeira semana. Uma foi preconceito direto mesmo e a outra foi uma constatação a que eu cheguei. Em uma das primeiras conversas sobre vestibular, eu mencionei que havia feito as provas apenas com meu conhecimento de colégio. Então, uma pessoa da roda falou que eu só havia entrado porque eu tinha as cotas. Achei um total absurdo”, relembra.

A constatação a que Michelle chegou foi de que, apesar de a lei destinar 50% das vagas para cotistas, ainda são poucos os alunos negros, pardos ou índios que frequentam o ambiente acadêmico.

Michelle também menciona que quase fez parte do movimento Bafros, um coletivo dos negros na UFRJ. Ela conta que o movimento é responsável por investigar e denunciar as fraudes que muitos alunos cometem ao se autodeclararem para a cota racial sem, na verdade, pertencerem a esse grupo.

No Brasil, são inúmeros os casos de fraudes como essa. Muitos se aproveitam do documento de autodeclaração para conseguirem ingressar no ensino superior com notas destinadas às ações afirmativas.

O preconceito na sala de aula

Outro aluno cotista que também sofreu discriminação foi Matheus Rocha, aluno do 5º período de Comunicação Social na UFRJ. “Já sofri um certo preconceito através dos olhares de alguns professores, pois quando tratavam de assuntos sobre negros e pobreza, olhavam diretamente para mim na sala de aula. Totalmente constrangedor”, afirma.

Além disso, ele se sente constrangido no dia a dia das aulas quando professores questionam a turma sobre determinados livros ou autores. “Muitas vezes, em aula, os professores perguntam se já lemos tal autor ou vimos tal filme e, quando negamos, isso é motivo para espanto. O que acontece é que, por não vir de uma escola particular, eu não tive acesso a esses bens culturais tanto quanto um aluno que foi da particular teve.”

Sobre a pesquisa, os estudantes cotistas acreditam que o desempenho dos colegas egressos das ações afirmativas seja superior devido a uma dedicação maior em relação aos demais colegas. É o que afirma a aluna cotista do 5º período de Comunicação Social na UFRJ, Ana Carolina Santos.

Ana Carolina Santos, estudante cotista e aluna do quinto período do curso de Comunicação Social da UFRJ.
Ana Carolina Santos, estudante cotista e aluna do 5º período do curso de Comunicação Social da UFRJ. Foto: Lusiane Sousa (CoordCOM / UFRJ)

“Acredito que nós, cotistas, batalhamos mais para estarmos aqui, então acabamos dando mais valor. Até conversamos bastante sobre isso de ouvirmos pessoas da zona sul sempre reclamando da ECO e da faculdade, enquanto nós temos uma alegria imensa de estar aqui”, diz.

Universidade enriqueceu depois das cotas

Para os professores, a Lei de Cotas é possivelmente a maior conquista dos movimentos sociais brasileiros atualmente. “Com a turma mais diversificada, outras experiências de vida podem ser passadas”, afirma Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser). Especialista no assunto, ele acredita que, depois da Lei, a universidade enriqueceu em termos sociais.

Quanto à pesquisa, ele diz que é bastante gratificante saber que o desempenho acadêmico desses alunos tenha sido ótimo. “É interessante porque, quando nós vivemos o debate sobre as ações afirmativas, não apenas na UFRJ, mas em todo o país, era dito que o estudante que viesse por meio das ações afirmativas reduziria a qualidade de ensino porque viria com o menor preparo e a universidade sofreria do ponto de vista da sua qualidade acadêmica”, relembra.

Imagem de Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais.
Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia (IE) da UFRJ e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser). Foto: Observatório de Favelas

Paixão também concorda que os estudantes cotistas vêm para a universidade mais engajados e isso talvez seja um fator importante para o resultado da pesquisa.

Atualmente, Marcelo se encontra nos Estados Unidos por questões profissionais. Ele diz que, em sala de aula, não percebeu mudança na qualidade de suas turmas. “Sobre os cotistas, realmente, no que diz respeito tanto à minha experiência quanto à minha sensibilidade de operar, eu não percebi nas minhas turmas queda de rendimento. E olha que eu lidava com períodos complicados na Economia,” sublinha.

Cobrança de mensalidade

A cobrança de mensalidade em universidades públicas é uma medida que vem sendo defendida por ocupantes de cargos do atual governo brasileiro e preocupa bastante os cotistas. Ela foi defendida recentemente, por exemplo, pela secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), Maria Helena Guimarães de Castro.

A cobrança de mensalidade pode significar a expulsão da universidade de muitos alunos cotistas que não possuem condições de pagar.

“Acho um absurdo. Nem todas as pessoas vão ter condições financeiras de pagar por uma universidade. É óbvio que temos faculdades particulares que estão no mesmo patamar de sucesso que as universidades públicas como a UFRJ,” argumenta Michelle.

Muitos alunos, principalmente os cotistas, estão preocupados e torcem para que a medida não seja efetivada. “É triste, porque nós já pagamos imposto e deveríamos ter todos os serviços públicos sem custo e de qualidade. Espero que isso não ganhe corpo,” reflete Ana Carolina.

Fonte: https://conexao.ufrj.br/node/64