Reportagem de Diogo da Silva

Segundo o Tribunal de Contas do Estado, o Governo do Paraná pagou mais de R$ 18 milhões para que duas empresas “parceiras” administrarem apenas 2 escolas da Rede Estadual de Ensino em 2023

 

Para saber como será a terceirização de 204 escolas públicas do Paraná proposta pelo Programa Parceiro da Escola, sancionado pelo governador Ratinho Júnior (PSD) no último dia 04 de junho, não é preciso o exercício da adivinhação. Basta olhar para as duas escolas da rede estadual de ensino já terceirizados desde 2023, o Colégio Aníbal Khury Neto e o Colégio Anita Canet, que agora são administrados pelas empresas Tom Educação (Rede Insígnia/Decisão) e Espaço Mágico/Sudeste (Apogeu Gov), respectivamente.

Segundo documento enviado para a imprensa no dia 18 de junho de 2024, assinado pelo relator conselheiro Ivan Lelis Bonilha, da 2ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, dados preliminares apontam o repasse de R$ 18.585.600,00 para os dois consórcios que administram as duas unidades já terceirizadas, conforme citado acima. O Paraná conta com 2.090 colégios espalhados entre seus 399 municípios. 

Conta de Padeiro

Apesar dos complexos malabarismos no campo jurídico e constitucional já denunciados pela Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Paraná (MPPR), que pede a anulação do edital que viabilizou a terceirização dos dois colégios, é fácil de entender a ideia proposta pelo governador e por sua equipe: uma empresa fica responsável pela administração e pela manutenção do colégio, pela contratação e demissão de professores, pela distribuição de uniformes e pela merenda escolar. Tudo isso em um pacote que custa aos cofres públicos do estado R$ 800 mensais por aluno – já incluindo o lucro da empresa.

Conforme consta do documento apresentado pelo TCE-PR, “a falta de detalhamento dos custos envolvidos no projeto e a insuficiência de elementos técnicos para a formação do custo por aluno são inconformidades já apontadas por essa unidade técnica”, escreveu e negritou o relator, conselheiro Ivan Lelis Bonilha. 

O valor informado pela nota enviada pela 2ª Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR, cerca de 18 milhões e meio de reais, é apenas o resultado obtido da conta que começa pela soma dos alunos matriculados nos dois colégios já terceirizados no ano letivo de 2023, 1.936 alunos, multiplicados por R$800, vezes os 12 meses do ano. De fato, este é o valor total dos contratos celebrados entre a Paraná Educação e os consórcios educacionais contemplados. Mas a realidade, porém, é um tanto mais complexa.   

Para tentar entender os detalhes desse negócio – que sequer considera o pagamento do aluguel da escola, ou melhor, do “ponto comercial” por parte da contratada -, o Parágrafo 2 enviou uma série de perguntas para a Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED-PR e para a Paraná Educação – empresa paraestatal de Serviço Social Autônomo, criada pelo próprio estado no governo Jaime Lerner, responsável pelos repasses do programa Parceiro da Escola às empresas credenciadas e atuantes. Dentre as perguntas estava o valor do montante pago às empresas em 2023. A resposta foi “R$800 reais por aluno, como previsto em edital”.

Apesar da resposta pouco elucidativa, encontramos algumas pistas sobre como são feitos os pagamentos realizados com o dinheiro do estado do Paraná para as empresas “parceiras”. As informações compartilhadas nesta reportagem constam em documentos da própria Paraná Educação e da SEED-PR, acessados nos processos judiciais provocados pelo MP-PR e pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná – APP-Sindicato sobre a anulação do edital 03/2022 publicado pela Paraná Educação – que previa o credenciamento das empresas interessadas na parceria com o estado para privatizar a administração de 27 escolas – das quais apenas as duas já citadas aceitaram.

Valores e como funcionam os pagamentos

Os documentos revelam como é feito o cálculo para saber o valor a ser repassado para as empresas que prestam “serviços de assistência gerencial” nos colégios Aníbal Khury Neto e Anita Canet, referentes aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2023. Conforme documentos da Paraná Educação, em uma tabela são discriminadas as deduções das despesas pagas pela SEED-PR e Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional (FUNDEPAR), são elas: energia elétrica, água e esgoto, telefonia, pessoal (profissionais concursados) e merenda. Todas essas despesas custam na média R$100 mil por mês – menor valor no período analisado: R$92.525,13 (Anita); maior: R$155.468,16 (Aníbal). 

Esses valores já pagos pelo estado do Paraná são descontados do valor bruto previsto no edital, que é de R$800 por aluno. No período analisado, o Colégio Aníbal Khury contava com 1.046 matrículas, que significam R$ 836.800,00 mensais. Já o Colégio Anita Canet contou no período com 890 matrículas que corresponderam a R$712 mil mensais. Segundo dados fornecidos pela própria SEED-PR, ambos os colégios cresceram em número de alunos em 2024, o que representa mais dinheiro para as empresas parceiras. O Anita já conta com 960 estudantes (+70 alunos = R$56 mil/mês a mais para a empresa) e o Aníbal atualmente tem 1.156 alunos (+110 estudantes = R$ 88 mil/mês a mais para a empresa). 

Fonte: Paraná Educação.

Somado os quatro primeiros meses do ano de 2023, a Paraná Educação repassou para o Consórcio Insígnia Social, responsável pela administração do Colégio Aníbal Khury Neto, o montante de R$ 2.560.476,54. No mesmo período, foi repassado para o Consórcio Espaço Mágico/Sudeste, que administra o Anita Canet, o valor de R$ 2.188.814,40. Somados, o valor é de R$ 4.749.290,94, montante referente aos dois contratos no período de 4 meses de 2023, de acordo com os comprovantes de transferência TED pagos pela Paraná Educação.

Fonte: Paraná Educação.

Nos documentos acessados para produzir os gráficos acima, considerou-se os valores aprovados para efeitos de nota fiscal pela Paraná Educação – conforme pode-se observar na linha “Saldo Final considerando Deduções” nas tabelas. No entanto, tais valores não batem com  os valores que constam nos comprovantes de transferência entre a Paraná Educação e as empresas que administram os dois colégios já terceirizados. Ao total, considerando os dois contratos no período de 4 meses, a diferença entre valor aprovado e o valor transferido é de R$ 497.725,61. Segundo despachos da Paraná Educação, a diferença pode ser explicada pela retenção de impostos, considerando que as empresas aqui citadas não são paranaenses.    

O Parágrafo 2 enviou essa dúvida para a Secretaria Estadual de Educação -SEED e para a Paraná Educação: Qual a explicação para essa diferença entre os valores dos comprovantes de pagamento e os valores aprovados nas notas fiscais constantes nos despacho da Paraná Educação?

A Paraná Educação não respondeu. A SEED respondeu da seguinte forma: “Em resposta aos questionamentos levantados em sua recente solicitação, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Educação do Paraná informa que não dispõe de acesso a diversos dados técnicos específicos que foram objeto de sua indagação. Esclarecemos que informações de caráter técnico e auditorial são de competência de outros departamentos do Governo do Estado do Paraná. A nossa assessoria, portanto, não possui a capacitação necessária para fornecer os esclarecimentos requeridos. Para a obtenção das informações desejadas, recomendamos que o senhor entre em contato com a Ouvidoria do Estado do Paraná, por meio da qual, poderá ser aberto protocolo formal solicitando os dados ao departamento competente, garantindo assim uma resposta precisa e adequada às suas perguntas”.

A mesma resposta vale para outra pergunta, de acordo com observação feita na tabela referente ao Colégio Anita Canet, já que em nenhum dos meses constantes na tabela é informado o valor do serviço de água e esgoto. Quem paga essa conta? A SEED-PR e a Paraná Educação não souberam informar. 

Sobre a falta de transparência envolvendo o edital 03/2022 da Paraná Educação, o TCE-PR se pronunciou apontando que “essas falhas na etapa de licitação prejudicam o acompanhamento e gestão contratual, seja pelo licitante ou pelo próprio controle externo”, lembrando ainda que “recentemente a Secretaria de Estado da Educação do Paraná colocou em sigilo por cinco anos diversos documentos daquela pasta” e que “ a atribuição de sigilo à documentação referente a esse credenciamento, e ao novo procedimento, também foi objeto de questionamento por parte desse Tribunal”.        

A título de consulta, o Parágrafo 2 enviou os documentos considerados na produção desta reportagem para a Coordenadoria de Gestão Estadual do TCE-PR, que informou que a incidência de impostos na transação financeira aqui exposta, de acordo com os documentos fornecidos pela reportagem, são “Municipal: ISSQN; Estadual: ICMS quando tiver fornecimentos de materiais/mercadorias; Federal: INSS, IR, PIS, Cofins e CSSL”. Sobre as alíquotas de cada imposto, foi informado, de forma aqui resumida, que cada imposto deve ser analisado de acordo com as peculiaridades implícitas nos contratos e seus atores, bem como considerando o tipo de mercadoria ou serviço prestado. Outra informação confirmada é a de que a retenção de impostos deve ser feita na fonte.  

Como complemento, a CGE-TCE/PR informou que “ademais, a Lei Federal nº 12.741/2012 exige, que todo documento fiscal (NOTA FISCAL) ou equivalente emitido contenha a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços.Portanto, de posse da Nota Fiscal é possível identificar quais foram as retenções e impostos incidentes, bem como aferir quais foram as alíquotas de cada um”.

Vale lembrar que não encontramos nos autos analisados as notas fiscais referentes aos pagamentos, apenas os documentos de aprovação das notas fiscais emitidos pela Paraná Educação – conforme documento disponibilizado nesta reportagem. Para fins de entendimento, o pagamento dos impostos aqui referidos, nos casos analisados, são inaugurados pelo Projeto Parceiro da Escola, dinheiro esse da educação paranaense agora pulverizado entre os entes federativos. 

Confirmada a hipótese dos quase R$ 500 mil em impostos retidos na fonte nos dois contratos analisados no período de 4 meses em 2023 do Projeto Parceiro da Escola, em um ano a projeção é de R$ 1,5 milhão. Valor esse que não é mais investido diretamente na educação pelo governo do Paraná. Somando o valor ao lucro das empresas, é possível vislumbrar que, neste caso, o governo do Paraná não investe mais os R$800 diretamente na educação de cada aluno, oferecendo parte desse valor para empresas e pagando impostos antes inexistentes.

Menos professores concursados é igual a mais lucro

Outro aspecto elucidativo quanto à natureza do negócio – e a óbvia busca pelo menor custo e maior lucro – está no quadro de docentes, os professores. Segundo informado pela SEED nos autos dos referidos processos, em abril de 2023 o Colégio Aníbal Khury Neto contava com 22 professores QPM (Quadro Próprio de Magistério, ou seja, professores concursados) entre as diversas cargas horárias. O salário para 40h era de R$ 3.903,32 – sem considerar os encargos, auxílio transporte e gratificação.        

Atualmente, segundo a SEED, o Aníbal conta com 15 professores QPM, 27 professores e 4 pedagogos contratados via CLT, mais 5 estagiários – esta última, modalidade de contratação inaugurada nas escolas estaduais com a terceirização que, segundo apurado, trata-se de estudantes de curso superior de licenciatura que, dentre suas funções, substituem como monitores os professores ausentes. 

No Anita, segundo prestação de contas referente ao mês de abril de 2023, a SEED descontou da empresa parceira o valor referente ao trabalho de 18 professores QPM, dentre as diversas cargas horárias. Segundo informações repassadas pela própria secretaria, 8 QPM deixaram a unidade em janeiro de 2023 e outros 4 tomaram a mesma decisão em janeiro de 2024. Atualmente, o colégio Anita Canet conta com 11 professores concursados, mas apenas 7 lecionam na unidade – os outros 4 estão lotados na unidade mas trabalham no Núcleo de Educação. Entre professores e pedagogos contratados no regime CLT, atualmente, o número é de 31. A exemplo do colégio Aníbal, no momento o Anita conta também com 5 estagiários. 

QPM, PSS e CLT

Observando os dados fornecidos pela SEED, é evidente o declínio no número de professores QPM (concursados) após a chegada da empresa “parceira” nas duas escolas abordadas nesta reportagem. Do ponto de vista dos valores repassados do estado do Paraná para as empresas, fica claro as vantagens, em moeda corrente, de contar com menos profissionais concursados. Isto é, menos professores concursados igual a mais professores CLT – estes últimos, sem qualquer tipo de estabilidade garantida e que terão que mediar sua relação de trabalho diretamente com a empresa. Diferente dos professores QPM e PSS (Processo Seletivo Simplificado, contratados de forma temporária pelo governo), que são servidores estatutários, regidos por regras próprias do serviço público, baseadas em leis e estatutos.  

O contrato CLT é a famosa “carteira assinada”, que garante aos profissionais contratados nesse regime benefícios como FGTS, INSS, décimo terceiro salário, férias, entre outros previstos nesta consolidação – direitos aos quais os professores contratados no regime PSS  não têm. Com a entrada das empresas para administrar as escolas públicas, os contratos PSS deixam de existir nas unidades que optam pela terceirização, dando lugar aos contratos CLT. 

A propaganda recente do Governo do Paraná, produzida para divulgar o Programa Parceiro da Escola, tenta tranquilizar os professores PSS que trabalham nas 204 escolas que fazem parte da lista dos colégios a serem terceirizados. O argumento é que o salário, caso o professor seja contratado via CLT pela empresa, será praticamente o mesmo do PSS. Analisando um holerite de um professor contratado – e já demitido – pela empresa responsável pelo Colégio Anita Canet, a equivalência acontece quando somados o salário e os pagamento dos encargos e benefícios, dentre eles um cartão corporativo onde o contratado recebe o auxílio-transporte e o vale alimentação, podendo gastar seus créditos apenas nas lojas conveniadas ao cartão. 

Um importante ponto para uma comparação justa é o valor da hora/aula. Atualmente o salário base pago aos contratos QPM (concursados) é de R$ 4.420,55, por 40h semanais de trabalho. Essa é a base para o mais recente edital de contratação de professores PSS, que diz que “o salário será equivalente ao valor inicial da tabela de vencimentos e remuneração da carreira do Quadro Próprio do Magistério – QPM”, pagando R$ 24,56 por hora/aula para o nível superior completo (licenciatura). Segundo o apurado por esta reportagem, a hora/aula paga no holerite fornecido ao professor já citado contratado por uma das empresas contempladas pelo Projeto Parceiro da Escola gira em torno dos R$ 22.

Porém, segundo a Convenção Coletiva de Trabalho 2022-2024 do Sindicato dos Professores do Estado do Paraná – SINPROPAR e Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Paraná – SINEPE/PR – entidades de classe relativa aos profissionais da educação privada no Estado – o piso salarial por hora aula no ensino médio é de R$18,48, e para o ensino fundamental do 6º ao 9º ano é de R$15,82. Os valores são válidos para Curitiba e Região Metropolitana. Se por um lado agora está se pagando mais que a convenção sindical, nada impede que em algum momento o contratante siga o piso da categoria. 

Vale lembrar que em fevereiro deste ano o MEC oficializou o reajuste de 3,62% no valor do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério Público da Educação Básica (PSPN) para o exercício de 2024, que agora é de R$ 4.580,57. O valor é válido para profissionais do magistério com jornada de pelo menos 40h semanais, válido para toda a rede pública do país. Segundo a APP-Sindicato, até o presente momento, junho de 2024, o governo Ratinho Júnior não concedeu o reajuste aos professores do estado, assim como também não pagou a data-base deste ano aos demais servidores estaduais.    

Valor Nebuloso

Fonte: SEED.

Para entender como o governo do Paraná chegou ao valor de R$ 800, é indispensável acessar a Nota Técnica da Diretoria Geral da SEED, cujo cálculo resume-se a tabela acima, onde o orçamento total disponível para a educação em 2022, R$10.962.184.790,00, é subtraído pelo valor de obras, custo da SEED e dos Núcleos, manutenção da estrutura da Fundepar, pelos custos da Paraná Educação e dos Convênios. Tirando tais despesas, resta o valor de R$ 9.868.966.702,00 que, dividido pelos 998.913 alunos atendidos pela rede estadual, é igual a R$ 9.879,00, que segundo a lógica do cálculo, é o custo anual por aluno. Divido o valor por 12 meses: R$823,31, que seria o custo de cada aluno ao mês para o estado. Considerando os R$ 800 estipulados pelo governo, restam R$ 23,31, que, segundo a procuradora Jurídica da Paraná Educação, Sara Suely Lopes Sobrinho, trata-se de um “saving” para o estado, “sem considerar o uniforme que será fornecido aos alunos”, finaliza a procuradora nos autos.     

Apesar da SEED, da Paraná Educação e da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná referendarem o aspecto técnico do cálculo, há opiniões divergentes dentro do estado. Conforme a nota já citada da 2ª Inspetoria de Controle Externo do TCE-PR, responsável pela fiscalização da área temática da Educação, Esporte e Cultura, “fica evidenciado que a falta de detalhamento dos custos e respectivas memórias de cálculo compromete a melhor formação de preço possível. Como consequência, resta prejudicada a análise da viabilidade econômica, o que, por sua vez, impossibilita a avaliação analítica de um projeto que se intitula piloto”.   

Segundo avaliação do Ministério Público do Paraná, “não há embasamento algum, tampouco individualização dos custos por instituição de ensino, que deem respaldo ao valor nebuloso de R$ 800,00”. O MP-PR ressalta ainda “latente indicativo de prejuízo futuro à administração pública, mediante a formalização de termos aditivos e apostilamentos sucessivos (possivelmente abusivos)”, e finaliza o combo de ressalvas chamando atenção para um dos itens do edital – 2.3 do Anexo III do Edital nº03/2022 – Preduc – , que permite “o pagamento em dobro às empresas credenciadas no caso de ser necessária alguma ampliação na estrutura física da Instituição de Ensino. Trata-se de um acréscimo financeiro que não foi lastreado no tipo de obra ou material a ser realizado, mas sim numa estipulação aleatória, desprovida de motivação, por parte do Paranaeducação.”

Além deste possível abono, o edital prevê ainda duas outras situações em que o governo pode pagar mais do que os R$ 800,00 por aluno. Um dos casos é se a unidade escolhida pela empresa possuir ensino integral, prevendo um adicional de 60%. O segundo consiste em um “bônus” caso seja batida a “meta avançada” de desempenho escolar, que será medida por meio do desempenho de cada aluno em uma avaliação anual. Batida a meta pelos estudantes, a empresa ganha o adicional de R$100 mensalmente por aluno matriculado durante os próximos 12 meses, caso seja renovado o contrato. (Anexo II – Metas 03/2022 – Preduc).

Mas também há o contraponto, caso a “meta mínima” não seja alcançada pelos alunos da instituição. A penalidade prevista pode ser o desconto de R$100 por aluno – mas sem o mesmo critério de 12 meses, como tem o “bônus”. Ou então a contratante, ou seja, a Paraná Educação, pode optar por deixar de aplicar o dinheiro naquela empresa, encerrando-se o contrato. Outro ponto interessante quanto às penalidades é a meta de frequência mínima, fixada em 90%. A cada um por cento abaixo da meta, o empresário perde 1% do total do montante mensal do contrato – o que abre brecha para a pressão por abono de falta sem justificativa por parte da empresa, conforme apurado por esta reportagem com os professores da rede.  

O Parágrafo 2 solicitou a frequência mensal até o mês de junho em 2024 – considerando o calendário escolar -, assim como também solicitou o desempenho dos alunos dos colégios já terceirizados pelo Projeto Parceiro da Escola. Não obtivemos respostas da SEED.  

Para quem vai o dinheiro

A Tom Educação é a empresa que administra o Colégio Anibal Khury Neto, localizado no bairro Uberaba em Curitiba. A Tom Educação – cuja logomarca estampa a fachada do colégio  Aníbal -, é uma das empresas que integra a holding Insígnia, que está ligada a Rede Decisão, que segundo seu site conta com 23 unidades nos estados de São Paulo e Minas Gerais, com predomínio em São Paulo. 

Criada em 1984, atualmente a Rede Decisão é representada por Regina Marcia Pereira de Oliveira Alves, co-Fundadora, e Gabriel Felipe de Oliveira Alves, presidente da Insígnia Holding e filho de Regina, que embarcaram “em uma missão nobre de transformar o país por meio da educação, trazendo processos inovadores e uma cultura de ensino e aprendizagem sólida e definida”, conforme história veiculada pelo site da Rede Decisão.  

Segundo informações publicadas em 16 de dezembro de 2021 pelo Valor Econômico, naquele ano, a Rede Decisão operava “15 escolas em regiões de baixa renda ou com pouca oferta de escolas particulares em São Paulo, Guarulhos, Embu Guaçu (SP) e Belo Horizonte”, somando então 7 mil alunos e cobrando mensalidades em torno dos R$700. A publicação do Valor Econômico noticiou à época o aporte de R$ 60 milhões recebidos pela Rede Decisão do “Blue like an Orange Sustainable Capital (Blao), fundo internacional focado em investimentos sustentáveis na América Latina”, fundado por Bertrand Badré, ex-diretor do Banco Mundial.  

Ainda de acordo com a matéria do Valor Econômico, a previsão de lucro para 2022 era de R$ 100 milhões e, segundo o presidente Gabriel Alves, o investimento da Blao seria usado para “continuar crescendo em número de escolas e investindo em tecnologia para oferecer educação de qualidade a um custo menor”. 

Assim como o governador Ratinho Junior, Gabriel Alves também acredita no processamento dos dados para a otimização da educação. De acordo com o publicado na referida matéria, “O executivo disse que o grupo tem usado neurociência para ajudar os professores a tomar melhores decisões no processo de ensino dos alunos. O plano é investir em tecnologias de processamento de dados para melhorar esse trabalho, tornando a educação mais assertiva”. 

Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Paraná, de acordo com informações preliminares, o Consórcio Insígnia Social recebeu em 2023 da Paraná Educação pouco mais de R$ 10 milhões pelos serviços administrativos prestados no Colégio Aníbal Khury Neto. 

Rede de Ensino Apogeu  

Segundo contrato que celebrou a distribuição das unidades entre as empresas selecionadas pelo edital 03/2022 da Paraná Educação, a empresa responsável pelo Colégio Anita Canet, localizado em São José dos Pinhais, é a Espaço Mágico / Sudeste, ambas relacionadas a Rede de Ensino Apogeu, de Minas Gerais. Segundo o site da instituição, a Rede Apogeu foi fundada por três jovens empreendedores e ex-alunos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica – ITA. 

Espaço Mágico é o nome de uma das unidades da rede localizada na cidade de Juiz de Fora – MG, local onde se concentra o maior número de unidades. Uma consulta sobre o CNPJ utilizado no contrato com a Paraná Educação aponta que a principal atividade econômica registrada é a “educação infantil – pré-escola”, estando o ensino fundamental e médio como secundários. No caso da empresa Sudeste, empresa com sede em Juiz de Fora, a principal atividade registrada é a “edição de livros”. Ambas empresas estão ligadas a Rede Apogeu.

Com 7 unidades em Juiz de Fora (MG) e outras 6 unidades espalhadas nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, a Rede Apogeu tem como como proposta de ensino, conforme publicação paga no site G1, “turmas voltadas para a aprovação na EPCAr (Escola Preparatória de Cadetes do Ar), localizada em Barbacena (MG), EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército), localizada em Campinas (SP), Colégio Naval (CN), Escola Naval, AFFA, EEAr, ESA, EFOMM, ITA e IME. Além disso, a Rede oferece turmas preparatórias para quem tem o objetivo de ingressar no Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF)”, além de cursos preparatórios para vestibulares e para a prova do Enem. 

Em outra publicação paga no portal G1, a Rede Apogeu pergunta para responder: “O segredo do sucesso? Filosofia educacional baseada na Excelência, na Disciplina, no Ensino de Alto Nível e no Atendimento Individualizado; proposta de ensino inovadora; projetos educacionais exclusivos; equipe de professores especialistas; e foco total nos alunos”.

Como informado pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná, segundo informações preliminares, a empresa Espaço Mágico/Sudeste recebeu em 2023 da Paraná Educação a quantia de R$ 8,5 milhões pelos serviços prestados no Colégio Anita Canet.   

Ação Civil Pública Ministério Público do Paraná

Por fim, indagado sobre o andamento da Ação Civil Pública, o Ministério Público informou o seguinte;

“O Ministério Público do Paraná ingressou com a ação civil pública anulatória de ato administrativo em 2022 em face do Serviço Social Autônomo Paraná Educação, em trâmite perante o Juízo da 4ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. O MPPR requer a anulação do edital de credenciamento para a gestão das escolas e sustenta que “a educação constitui atividade-fim, não podendo ser terceirizada, pois transferir tal incumbência aos particulares representaria um verdadeiro esvaziamento da própria função do Estado”.

Fonte: https://paragrafo2.com.br/parceiro-da-escola-mas-por-alguns-milhoes-de-reais/