Gustavo Freire Barbosa
Em Mossoró, reitora da Universidade Federal do Semi-árido que ficou em 3º lugar, pregou um quadro de Costa e Silva em seu gabinete
“Coisas absurdas têm acontecido dada a autonomia das universidades”, disse Jair Bolsonaro em julho de 2019. Ele e olavistas como o ex-ministro Abraham Weintraub nunca esconderam o desejo de encoleirar as universidades públicas, docilizando um dos mais notórios focos de resistência ao seu programa de desmonte do Estado.
O bolsonarismo entendeu que não é possível dobrar as instituições federais de ensino superior sem bater de frente com a autonomia que o artigo 207 da Constituição lhes garante. Sabe que ainda não há clima para nomear juntas militares para administrar campi de todo o Brasil. Tanto que encontrou uma forma mais sutil de colocar seus cupinchas na direção de universidades públicas: desrespeitando as eleições para reitor.
Até agora pelo menos 14 delas tiveram seus resultados eleitorais ignorados. Na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), o nomeado para reitor obteve apenas 6,9% dos votos, enquanto o primeiro colocado angariou 84,4%. O roteiro se repetiu na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também fora nomeado o terceiro colocado, deixando ainda mais clara a sistemática política de intervenção para desestruturar o ensino público superior, sufocar o pensamento crítico e perseguir opositores.
O pior é que sempre há professores candidatos ao posto de correia de transmissão do bolsonarismo
No Instituto Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (IFRN), o interventor nomeado sequer participou do processo eleitoral, sendo uma indicação do General Girão (PSL-RN), um caricato deputado federal bolsonarista que chegou a solicitar o envio de tropas federais para reprimir manifestações estudantis. Ainda em solo potiguar, a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) vem passando por situação semelhante à do IFRN. É no seu principal campus, em Mossoró, que vem acontecendo o mais escrachado caso de subserviência ao bolsonarismo de que se tem notícia.
O candidato Rodrigo Codes foi o primeiro colocado na eleição para a reitoria da UFERSA, com 37% dos votos válidos. A nomeada, contudo, foi Ludimilla Oliveira, embora tenha conseguido apenas 18% e terminado na terceira colocação. “Há quem chegue às maiores alturas para cometer as maiores baixezas”, diria certo ex-ministro do STF diante do que ela foi capaz de fazer para chegar onde chegou.
Antes da abertura das urnas, Ludimilla articulava-se com parlamentares para garantir que o vencedor das eleições fosse o nomeado para o cargo. Esbanjando confiança, qualificava como intervenção o eventual desrespeito à vontade da comunidade acadêmica, opinião que, segundo afirmou em áudios de WhatsApp tornados públicos pela imprensa, compartilhava com a bancada bolsonarista do RN – com exceção do General Girão, aquele mesmo que indicou o interventor do IFRN. Confiante de que seria sufragada pelos estudantes, técnicos e professores da UFERSA, Ludimilla perambulava por Brasília atrás de emissários que convencessem Bolsonaro a escolher o primeiro da lista tríplice.
Deu ruim. Tão logo as urnas foram abertas, deparou-se com a dura realidade de não ser tão benquista como acreditava. Abraçou, então, a tática do vale-tudo para se tornar reitora, apagando das suas redes quaisquer sinais que pudessem indicar o mais tímido lampejo de relação com pautas progressistas. Comprou o pacote completo, do fundamentalismo de Damares a esforços públicos para mostrar que é Bolsonaro desde criancinha.
Deu certo. Bolsonaro identificara em Mossoró uma preposta do seu obscurantismo mussolinista, chegando a prestigiar in loco sua nova soldada. Nomeada nessas circunstâncias, Ludimilla não demorou para se deparar com os infortúnios da democracia. Precisava afinar o discurso com o do seu novo clube. O que antes era intervenção passou a se fruto de uma “intervenção divina”, disse em uma live. Em outra, sugeriu que quem não estivesse satisfeito que fosse embora da UFERSA. Chocada com a insatisfação do DCE, tentou colocar a Polícia Federal no encalço da estudante Ana Flávia Lira, coordenadora-geral da entidade. Acusou-a, dentre outras coisas, de fazer parte de uma organização criminosa.
A finalidade de criminalizar o movimento estudantil e de perseguir qualquer esboço de divergência foi percebida pelo Ministério Público Federal, que decidiu pelo arquivamento do inquérito policial e ainda processou a interventora pelo crime de denunciação caluniosa. Na mesma semana em que viu a tapioca virar, Ludimilla mostrou para o chefe que, apesar de neófita no bolsonarismo, não precisa se esconder para lustrar coturnos com a língua.
Em sua conta no Instagram, a interventora posou junto a um quadro do ditador Costa e Silva, general que governou o Brasil de 1967 a 1968. Foi da sua caneta que saiu o AI-5, marco do mais sangrento período da ditadura militar brasileira. Ludimilla não poderia ser mais coerente: foi durante o governo de Costa e Silva que houve intensas repressões ao movimento estudantil. Em março de 1968 o estudante Edson Luís de Lima Souto foi assassinado pela polícia durante um protesto no Rio de Janeiro. Em julho, mês seguinte à Passeata dos Cem Mil, foram proibidas manifestações nas ruas. Forças policiais do governo invadiram universidades para espancar e prender alunos e professores.
Vê-se que há pressa em mostrar serviço.
Pressa que vai ao ponto de seguir o exemplo de Genelício, personagem de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto: “moço, menos de trinta anos, ameaçava ter um grande futuro. Não havia ninguém mais bajulador e submisso do que ele. Nenhum pudor, nenhuma vergonha! Enchia os chefes e os superiores de todo o incenso que podia”.
Cedo ou tarde, Costa e Silva sairá das paredes da reitoria da UFERSA junto com o entulho fascista que hoje ocupa o Palácio do Planalto. A história, entretanto, cuidará para que jamais esqueçamos dos genelícios e das escolhas que fizeram.
E a história, esta sim, é sempre implacável.