Mahjooba Nowrouzi
Serviço afegão da BBC
Ao nascer no Afeganistão, uma menina pode ficar anos sem receber um nome.
Quando se casa, o nome da mulher não é nem escrito nos convites para a cerimônia.
Ao adoecer, muitas vezes ela é atendida por um médico que não sabe seu nome e tampouco o escreve na receita.
Quando morre, o comum é que o nome de uma mulher não apareça nem na certidão de óbito, nem na lápide.
As famílias do Afeganistão costumam forçar as mulheres a manter seus nomes em segredo, em todas etapas da vida.
Mas, com as redes sociais, elas estão se manifestando para interromper esse ciclo através da campanha “WhereIsMyName” (“Onde está meu nome?”).
#WhereIsMyName
“Isso não pode continuar assim”, pensou, três anos atrás, uma afegã de 28 anos.
O inconformismo de LalehOsmany, moradora da cidade de Herat, se transformou no lema “WhereIsMyName” — uma mobilização para a recuperação do que ela caracteriza como o “direito mais básico”.
Falando à BBC, Osmany afirmou que ela e as amigas que se somaram só queriam provocar uma reflexão sobre por que suas identidades estavam sendo negadas.
“A campanha está um passo mais perto de seu objetivo de convencer o governo afegão a registrar os nomes da mãe e do pai nas certidões de nascimento”, conta.
Ela aponta também que a cobertura sobre o tema feita pela BBC no Afeganistão levou Maryam Sama, membro da Câmara dos Deputados do Afeganistão, a falar sobre o assunto no Parlamento.
Sama solicitou que os nomes das mães fossem registrados nas certidões de nascimento e tuitou que há hoje apoio no Parlamento para que o assunto seja debatido mais a fundo.
Uma entrevista com Osmany, postada na página da BBC no Facebook, recebeu comentários favoráveis, mas outros altamente críticos.
Usar publicamente o nome de uma mulher é desencorajado e pode até ser considerado um insulto em muitas partes do Afeganistão.
Os homens, por sua vez, comumente relutam em mencionar abertamente os nomes de suas irmãs, esposas ou mães porque isso é considerado vergonhoso e desonroso.
Em geral, as mulheres são conhecidas apenas como mãe, filha ou irmã do homem mais velho da família.
Pela lei, apenas o nome do pai deve ser registrado em uma certidão de nascimento.
Mas, apesar da relutância de boa parte da sociedade, algumas personalidades, como o músico Farhad Darya e a cantora Aryana Sayeed, apoiaram a campanha “WhereIsMyName?” desde seu início.
Direito à identidade
Aryana Sayeed, uma das cantoras mais famosas do Afeganistão e ativista dos direitos das mulheres, disse à BBC que apoia a campanha, mas teme que ainda exista um longo caminho até se chegar ao ponto almejado.
“Uma mulher é antes de tudo humana, e depois uma esposa, irmã, mãe ou filha. Ela tem o direito de ser reconhecida por sua identidade.”
O músico Farhad Darya, residente nos Estados Unidos, concorda que papéis familiares são insuficientes para definir a identidade “real” de uma mulher — e os homens têm um papel também essencial nisso.
“Quando os homens negam a identidade das mulheres, com o tempo as próprias mulheres começam a censurar sua própria identidade”, disse à BBC.
O sociólogo afegão Ali Kaveh aponta que o hábito cultural está intimamente ligado a uma sociedade fortemente patriarcal.
“A principal razão para negar às mulheres sua identidade é a sociedade patriarcal, na qual a ‘honra’ masculina não apenas força as mulheres a manter seus corpos escondidos, mas também seus nomes”, analisa Kaveh.
“Na sociedade afegã, as melhores mulheres são (consideradas) aquelas que não podem ser vistas ou ouvidas. Como diz o ditado: ‘O Sol e a Lua não a viram’.”
“Os homens mais duros e difíceis são aqueles mais respeitados e honrados da sociedade. Se as mulheres da família são liberais, são consideradas promíscuas e desonradas.”
Desde a queda do regime talebã, há quase duas décadas, grupos nacionais e internacionais tentam reforçar de novo a presença das mulheres na vida pública.
No entanto, a realidade é que mulheres chegam a ser agredidas no país se disseram seus nomes a, por exemplo, médicos.
Uma questão de honra
O depoimento de uma outra mulher de Herat, compartilhado com a BBC em condição de anonimato, ajuda a entender como a questão é internalizada pelas próprias mulheres.
“Quando alguém me pede para dizer meu nome, penso na honra de meu irmão, meu pai e meu noivo, por isso me recuso a dizê-lo.”
“Por que eu deveria irritar minha família? Qual é o sentido de mencionar meu nome?”
“Quero ser chamada filha do meu pai, irmã do meu irmão. E, no futuro, quero ser chamada esposa do meu marido e depois mãe do meu filho.”
Além das dificuldades práticas que essa regra social cria, ela também tem um impacto emocional.
FaridaSadaat se casou quando ainda era adolescente e teve seu primeiro bebê aos 15 anos. Mais tarde, ela e o marido se separaram e ela se mudou para a Alemanha com seus quatro filhos.
Ela diz que o marido não está presente na vida de seus filhos, física ou emocionalmente.
Assim, para ela, o homem perdeu o direito de ter seu nome impresso nas carteiras de identidade dos filhos.
“Criei meus filhos sozinha. Meu marido se recusou a se divorciar de mim, para que eu não pudesse me casar novamente.”
“Agora, eu me recuso a deixar o nome dele nas carteiras de identidade dos meus filhos. Existem homens no Afeganistão que têm várias esposas, como meu ex-marido, e eles não cuidam dos filhos.”
“Peço ao presidente afegão que mude a lei e registre os nomes das mães em certidões de nascimento e identificações.”