Juliana Passos
Estudantes com deficiência intelectual conseguem superar muitas barreiras de aprendizado quando recebem suporte adequado em sala de aula. Uma realidade ainda distante para muitas crianças jovens e adolescentes atendidas pela rede pública da Baixada Fluminense, que continuam segregadas em escolas ou classes especiais, mesmo após 10 anos da criação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Essas são as principais conclusões dos diversos estudos realizados sobre educação especial, sua estrutura e funcionamento, na rede pública da Baixada Fluminense ao longo da última década, coordenados pela educadora Marcia Pletsch, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O trabalho de pesquisa contou com diversas fontes de financiamento, incluindo a FAPERJ. Bolsista de Doutorado Nota 10 da Fundação, Marcia foi, em seguida, contemplada nos editais Apoio a Projetos de Pesquisa na Área de Humanidades, em 2011; no edital Apoio à Melhoria do Ensino nas Escolas Públicas, em 2012; e, ainda, no programa Jovem Cientista do Nosso Estado, em 2014 e em 2018.
Apesar do panorama com inúmeros desafios a serem enfrentados, sobretudo no campo da formação continuada de professores fundamentada nos preceitos da educação inclusiva, as expectativas são bastante otimistas entre os envolvidos e há diversas iniciativas em curso com o propósito de mudar esse cenário. Ao longo desse período, o Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional (ObEE), do campus da UFRRJ de Nova Iguaçu, conseguiu bons resultados ao realizar cursos de extensão com cerca de 350 professores da região. “Quando você dá oportunidade para os professores criarem, eles criam, apesar do cotidiano de muitos ser massacrante, dos baixos salários e das condições precárias de trabalho. Basta oferecer instrumentos teóricos para fomentar essa prática que o trabalho decola”, diz Márcia. Outro fator importante, na avaliação da pesquisadora, foi a negociação com as Secretarias de Educação para que liberassem seus profissionais para a capacitação e formação continuada, em vez de realizar o curso aos sábados. “Foram meses de negociação com as diferentes redes para negociarmos a pesquisa nas escolas e, como contrapartida, a formação continuada”, relembra.
A pesquisadora chama a atenção para o fato de a maioria dos cursos de formação continuada não fazer relação entre teoria e prática, o que dificulta a aplicação das discussões no cotidiano escolar. Com essa preocupação em mente, o ObEE trabalhou na elaboração dos cursos em parceria com as redes de ensino da região. “Entendemos que a pesquisa só tem valor quando transforma a vida das pessoas. Nós construímos uma perspectiva metodológica de pesquisa de colaboração entre a universidade e a escola, e não da universidade para a escola, como campo de pesquisa apenas para produção de artigos no futuro”, diz a professora.
De acordo com os estudos do grupo, um dos entraves para a melhor inclusão das pessoas com deficiência intelectual é o estigma em relação às possibilidades de aprendizagem desses sujeitos, enquanto a literatura mostra que a maioria (85%) apresenta especificidades em seu desenvolvimento “leves”, como muitas outras crianças no contexto escolar. As pesquisas mostraram, ainda, uma estrutura escolar rígida em termos de currículo e a falta de recursos pedagógicos e didáticos para apoiar o trabalho docente. Igualmente, os estudos constataram a falta de conhecimento dos docentes sobre processos de escolarização de pessoas com deficiência intelectual e, mesmo nas escolas que possuem profissionais especializados, as trocas e a colaboração nem sempre são efetivas por inúmeras razões. Por isso, os pesquisadores consideram urgente a elaboração de propostas concretas de um sistema de suportes para além do Atendimento Educacional Especializado (AEE), oferecido em salas de recursos multifuncionais ou do agente de apoio/mediador/cuidador no processo educacional desse público. Também destaca a importância de pesquisas que avaliem recursos didáticos acessíveis para todos. “Os principais achados científicos desses projetos todos é que a inclusão favorece a aprendizagem de pessoas com deficiência intelectual e desafia a escola a rever práticas e concepções sobre a diversidade e a pluralidade de possibilidades humanas existentes”, resume a pesquisadora. Nessa perspectiva, a partir da bagagem e o conhecimento acumulado em 10 anos de pesquisa do ObEE sobre o processo educacional de pessoas com deficiência, a iniciativa possibilitou que, nos anos de 2017 e 2018, em parceria com aproximadamente 30 pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e do Movimento Down, fosse desenvolvido uma pesquisa para avaliar o protocolo da Unicef sobre livros didáticos digitais (em tablets) acessíveis na perspectiva do desenho universal da aprendizagem para pessoas com autismo, baixa visão, cegueira, surdos e com deficiência intelectual. O projeto foi desenvolvido no âmbito do Centro de Inovação Tecnológica e Educação Inclusiva (Citei), criado em 2017 como um dos desdobramentos dos trabalhos realizados a partir do edital Jovem Cientista do Nosso Estado, em parceria com professores da Ciência da Computação da UFRRJ.
Outra iniciativa do Citei envolvendo a equipe do ObEE foi o projeto Computação Para Todos (2017-2018), financiado pela FAPERJ e pelo Programa Inclusão Digital da UFRRJ, sob a coordenação geral de Fernando Orleans do Curso de Ciência da Computação. O programa ofereceu atividades de ensino de programação de jogos digitais para crianças com idades entre 9 e 10 anos, incluindo crianças com deficiência intelectual, autismo e altas habilidades/superdotação, com avaliação e análise de desenvolvimento humano e recursos de acessibilidade digital necessárias.
Fonte: Faperj