‘O acesso do indígena e do negro à universidade é uma verdadeira revolução desarmada’, afirmou o filósofo e antropólogo Gersem Baniwa
POR BRUNO ALFANO
RIO – Os avanços necessários para a política de cotas foi a tônica do encontro “Quebrando tabus e mitos: com a palavra, a política das cotas”, com Naercio Menezes, professor e coordenador do centro de políticas públicas do Insper; Gersem Baniwa, filósofo, antropólogo e ex-coordenador geral de educação indígena do Ministério da Educação; e a professora e pesquisadora da Uerj Patrícia Santos.
O debate aconteceu no evento internacional Educação 360, encontro promovido pelos jornais O GLOBO e Extra com patrocínio de Sesi, Fundação Telefônica, Fundação Itaú Social, Instituto Unibanco e Colégio pH, apoio da Fundação Cesgranrio, e apoio institucional da TV Globo, Canal Futura, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Unesco, Unicef e Todos pela Educação.
— O acesso do indígena e do negro à universidade é uma verdadeira revolução desarmada — resume Gersem Baniwa, que, ao mesmo tempo, apresenta desafios: — Mas a universidade ainda precisa reconhecer novas metodologias, teorias e epistemologias. A universidade precisa fazer um esforço para validar o conhecimento indígena. O conhecimento circula. Quando um estudante indígena se forma em Medicina, o conhecimento tradicional perde a virgindade. Porque ele vai unir os dois tipos de conhecimento (o ocidental e o indígena) em sua atuação.
Gersem defende cinco ações afirmativas para o caso indígena: a reserva de vagas, um processo seletivo específico, cursos específicos, bonificação (pontuação extra no Enem no caso de não haver vestibular específico) e um programa de bolsas.
— A nossa trajetória é diferente e por isso precisamos de uma prova específica. Mas já há avanços. Há 30 anos, ninguém imaginava uma monografia numa língua indígena. Agora já existe.
A necessidade das cotas
O professor e coordenador do centro de políticas públicas do Insper Naercio Menezes apresentou dados para mostrar a estratificação. Segundo ele, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE de 2014 mostra que só 3% dos filhos de pais analfabetos chegam ao ensino superior. Enquanto isso, 71% dos filhos de pais com ensino superior conseguem atender a essa etapa escolar. É o que ele chama de loteria da vida. Por isso, as ações afirmativas, como as cotas, são necessárias:
— As cotas trazem diversidades para as universidades sem diminuir a qualidade. A nota média de ingresso do Enem caiu apenas 10 pontos, de 733 para 723. Por outro lado, alunos cotistas têm desempenho similar aos não cotistas.
Menezes afirma que esse desempenho acadêmico é similar porque as suas habilidades sócio-econômicas são, em geral, maiores. Eles, de acordo com as pesquisas apresentadas pelo economista, têm maior resiliência para superar as deficiências iniciais.
— O fato de haver mais negros na universidade estimula novos ingressantes porque jovens que achavam nunca entrariam na universidade enxergam pessoas parecidas com eles e tentam o acesso. Além disso, as cotas são uma forma de combater a forte estratificação da sociedade brasileira — afirma.
Os desafios, no entanto, ainda são enormes. Gersem defende, por exemplo, um acompanhamento psicossocial para esses alunos que sofrem preconceitos por serem cotistas.
A professora Patrícia Santos também ainda vê resistências a esse estudante. Durante uma pesquisa sobre a trajetória de jovens periféricos na universidade, um aluno afirmou para ela que tem os universitários menos favorecidos economicamente sentem que “entraram numa festa como penetras e ninguém quis servi-los”. O aluno continua: “Ou seja, a sensação de que se tem é a de que nós não pertencemos a universidade pública e de que ela não feita para nós”.
— Eu penso nos sujeitos das cotas, naqueles configurados nos números e nos desafios de um cotidiano para entrada em um sistema que inicialmente não foram convidados — afirma.
Segundo ela, é preciso desburocratizar o acesso às bolsas permanências, que hoje pagam R$ 500 por mês para o aluno conseguir se manter na universidade.
— Esses alunos às vezes simplesmente não têm comprovante de endereço ou de renda e precisam reconhecer firma de muitos documentos, o que dificulta muito a obtenção da bolsa, porque eles não têm dinheiro para pagar esses processos burocráticos — diz.
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