ADORNO, S. A socialização incompleta: os jovens delinqüentes expulsos da escola, In: Cadernos de Pesquisa – n.º 79, São Paulo, Novembro / 1991, Cortez, pp. 76 – 80.
O texto começa fazendo uma breve análise sobre as grandes cidades brasileiras. Constata que o poder público revela-se incapaz de encaminhar e resolver os principais problemas da população, gerando insatisfação de todas as ordens. Questões como: precariedade de habitação e transporte; aumento geral da poluição; trânsito estressante; falência do sistema médico-hospitalar; ensino deficitário e nada adequado a realidade dos alunos – são correntes em diálogos informais e fonte de total descrença da população nas administrações públicas. Todo este quadro gera uma situação de insegurança experimentada objetiva e subjetivamente. Medo de perder o emprego, medo de um despejo ou incapacidade de saldar as dívidas; medo de um acidente de trânsito; medo das águas das enchentes e de doenças etc. “”O medo constitui hoje um componente essencial da personalidade urbana”” (p.77) – afirma o texto. A tudo isso soma-se a possibilidade do cidadão ainda vir a ser vítima de uma ação criminosa. Na verdade, este medo a mais não é sem razão, afinal estatísticas indicam o crescimento de todas as modalidades delituosas, e cada vez mais a presença de uma criminalidade organizada. Do debate em torno dos problemas sociais e em especial sobre a violência, aflora duas possibilidades de visão da realidade. Por um lado, insiste-se numa visão de sociedade estratificada, divida entre homens de bem e criminosos. Sendo Assim, reclama-se punições exemplares, reparações líquidas e certas, eliminação física dos agressores, justificando e exigindo uma política de violência policial, torturas e de até pena de morte. Por outro lado, podemos olhar para esta temática a partir da questão da desorganização da sociedade, como foi inicialmente constatado. Busca-se entender o modelo econômico-social gerador de desequilíbrio e de injustiças sociais como a causa fundamental desta situação de criminalidade. Assim procura-se entender os diversos fatores estimulantes da elevada incidência de crimes; migração desordenada, má distribuição da renda, desintegração cultural e familiar, desemprego etc. De acordo com esta última visão, a origem da maioria dos agente criminais são as classes populares. Fato causado por distorções da estrutura sócio-econômica da sociedade. Prosseguindo com esta segunda possibilidade de se encarar a questão da violência, logo interpela-se com a responsabilidade da escola. Muitos acreditam que este estado se deve à baixa escolaridade da população. “”Afirma-se que a maior parte das crianças e adolescentes, desprovidas de amparo escolar ou expulsas das escolas, não tem outro caminho senão delinqüir.”” (p.77) “”Portanto, cortar o mal pela raiz requer, antes de tudo, confinar-se as crianças e adolescentes nas escolas, ocupá-los em tempo socialmente útil no aprendizado ordeiro e disciplinado …”” ( p. 78 ) Afirma o texto que para as crianças das classes populares, ou seja, os potencialmente delinqüentes, a escola se apresenta de dois modos; pela ausência, ou pela exclusão. A escola é distante e próxima. A escola é ausente e distante porque nunca se constitui em espaço efetivo de realização social; é próxima e violenta, pois cedo se aprende o seu local de excluído e se faz a experiência da punição humilhante tão parecida com o ambiente de hostilidade que por vezes já se experimentam no lar ou nas ruas. As práticas da escola, não raro, se mostram incompatíveis com o universo cultural das crianças e adolescentes insubmissos. Eles logo se rebelam diante da realidade destituída de emoção e de atrações lúdicas, ambiente desinteressante e desmotivador. E muito cedo fazem a experiência da punição. Punidas pela criminalização de seu comportamento estas crianças “”são empurradas para o mundo adulto na medida em que são responsabilizadas pela incidência crescente de crimes e de delitos de toda espécie…”” ( p. 78 ). Criminalizadas, elas deixam a condição de criança e passam a ser vistas como menor. Segundo pesquisa realizada pelo autor, a realidade destas crianças tem algo em comum; famílias cuja vida permanece próximo aos índices de pobreza absoluto e um alarmante número de crianças trabalhadoras. O trabalho infantil é uma constante na vida destas famílias, muitas vezes a única chance de sobrevivência da criança. Crianças, adolescente e jovens trabalhadores submetem-se às piores posições ocupacionais, onde o rendimento é baixo e a carga horária de trabalho é grande demais para se conciliar com a escola. Dessa maneira, a escolarização e a profissionalização se tornam impossível. E aí está a crueldade e a ilusão do trabalho infantil, ao invés de remediar, agrava e eterniza a situação de pobreza. O texto serve-se de alguns índices impressionantes, porém já bem conhecidos nossos, para demonstrar o ciclo: pobreza – trabalho infantil – baixa escolarização / analfabetismo – trabalho mau remunerado – pobreza. Muitas jovens se submetem a estas condições, sem perspectivas resignam-se diante do fato consumado. Cedem ao destino que a realidade social lhes impõem. Outros, por sua vez, manifestam comportamento arredio e indisciplinado, tornando-se em potencial um jovem de delinqüente. Apesar de afirmar que não há uma trajetória típica que leve `a delinqüência, admite-se as condições que somadas levam a gerar o ambiente favorável à criminalidade. A escola não consegue desfazer este nó. O índice de crianças pobres que não ingressam é tão grande quanto o das que são reprovada e/ou evadem das escolas. Entre os pais, os responsáveis e as crianças não há firmes convicções sobre a utilidade da escola. Ela é vista de forma negativa. As crianças revelam estranhamento com o ambiente escolar e o seu universo cultural. O texto trata também de como a escola é lembrada pelas crianças. Baseado na pesquisa do autor, afirma-se que a escola é lembrada também por sua violência, faz parte das lembranças das crianças. “”A humilhação a que são submetidos pelo não-saber, pela ausência de tradição escolar na família, pelas origens populares.”” (p. 80). É neste sentido que o texto traz o tem da socialização incompleta. A criança socializada fora da escola aprende as responsabilidade e a punição do mundo adulto, mas revela dificuldades de compreensão do mundo. Ou seja, este jovem delinqüente apesar de bom conhecedor das regras do mundo adulto, não consegue obter resultados de abstração da realidade que lhe deveria ser proporcionado pela escola.