Investigação apura se houve desrespeito à decisão de isolamento impostas pelas comunidades e aponta que equipes deveriam ter feito quarentena prévia antes de entrar nas regiões. Desde o dia 30 militares estão na Terra Yanomami e Raposa Serra do Sol em ação de saúde.
Por Valéria Oliveira, G1 RR — Boa Vista
O Ministério Público Federal em Roraima abriu procedimento nesta quinta-feira (2) para investigar a distribuição de cloroquina às comunidades indígenas e o acesso aos territórios sem a devida consulta prévia aos povos que vivem nas regiões.
Equipes do Ministério da Saúde, Ministério da Defesa e da Fundação Nacional do Índio (Funai) estão nas regiões da Terra Yanomami e da Raposa Serra do Sol desde a terça-feira (30) para realizar uma ação de saúde relacionada ao coronavírus.
A ideia do MPF-RR é apurar se houve o desrespeito ao isolamento de comunidades que temem os ricos de infecção pelo coronavírus. O Ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, esteve na Terra Yanomami nessa quarta (1º), acompanhado de uma comitiva.
“O objetivo é apurar a distribuição de cloroquina às comunidades indígenas, o ingresso nos territórios sem prévia consulta de seus povos – em desrespeito à decisão de isolamento de muitas de suas comunidades -, a violação das regras de distanciamento social, a presença expressiva de meios de comunicação em contato com os indígenas e a eficiência de operação com vultoso gasto de recursos públicos.”
O ministério também expressou preocupação sobre a fala do ministro Azevedo, de que a pandemia está controlada na Terra Indígena Yanomami, e informou que “diante da aparente tentativa de minimizar a gravidade da pandemia que se alastra diariamente” aguarda um plano que monitore a região contra o vírus e ação de garimpeiros.
Para obrigar que esse plano seja efetivado, o ministério recorreu à Justiça e aguarda decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
A intenção é sejam adotadas “ações para monitoramento territorial efetivo da Terra Indígena Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais que possam transmitir a covid-19, inclusive à comunidade isolada Moxihatëtea, esta exposta a um risco concreto de genocídio.”
As operações atuais, de acordo com apuração inicial do MPF, não respeitaram as orientações pretendidas de serem executadas no plano emergencial.
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares e fica entre os estados de Roraima e Amazonas. Cerca de 27 mil indígenas vivem na região, alvo de garimpeiros que invadem a terra em busca da extração ilegal de ouro.
Entre as ações indicadas pelo MPF-RR, estão a fixação de equipes interinstitucionais em pontos estratégicos da terra indígena, assim como medidas para que o risco de contaminação não seja agravado, “como quarentena prévia das equipes e não aproximação das populações indígenas.”
Ação de saúde nas terras indígenas
Chamada de “missão de Yanomami e Raposa Serra do Sol”, a ação de saúde executada pelos ministérios da Saúde e da Defesa começou dia 30 e segue até 5 de julho.
Durante o período, 21 militares foram enviados às regiões para reforçar o atendimento aos indígenas feitos por servidores dos distritos sanitários Yanomami e Leste (Dsei-Y e Dsei-L).
Na Terra Yanomami, atendida por profissionais da saúde do pelo Dsei-Y, os militares vão se dividir entre os polos bases de Auaris, que atente cerca de 3.971 indígenas de 58 comunidades; Waikás, que atende quatro comunidades e 178 indígenas; e Surucucu, responsável por 50 comunidades e 2.464 indígenas.
Surucucu foi a região visitada pelo ministro da Defesa. A ida ao território ocorreu três dias depois que o povo Yanomami denunciou o risco de um “ciclo de violência” após jovens indígenas serem mortos por garimpeiros.
No Dsei-L, que atende a região da Raposa, os atendimentos ocorrem nos polos bases Frexal, que atende 14 comunidades e 1.275 indígenas; Maturuca, formada por 10 aldeias (incluindo a aldeia Ticoça) e população de 1.756 indígenas.
O Ministério da Saúde disse ter enviado às duas regiões testes rápidos de coronavírus e medicamentos como azitromicina e cloroquina – não foi informado se a intenção é usar nos tratamentos de pacientes com o coronavírus. O uso não é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o governo federal, a ação nas duas regiões é a quinta missão interministerial que leva atendimento médico para “reforçar o enfrentamento à covid-19 entre indígenas.”
Equipes na Terra Yanomami preocupa Conselho de Saúde
A presença de equipes de fora na Terra Yanomami também preocupa o Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-Y). Um ofício enviado ao MPF, Funai e Ministério da Defesa alertou para os risco de terem pessoas infectadas entre os profissionais e, consequentemente, o risco de transmissão aos povos.
“Alegaram a realização do teste rápido para Covid-19 em todas as pessoas que participaram da ação, incluindo jornalistas que vieram de outros países, porém o teste rápido é indicado apenas entre o sétimo e décimo dia do início dos sintomas, como febre e tosse. Não é recomendado para uso em toda a população, uma vez que não consegue diagnosticar o início da doença”, cita trecho do ofício.
O presidente do Condisi-Y, Júnior HekuariYanomami, afirmou que a forma como foi feita a ação traz preocupações. “Não respeitaram a lei, fizeram turismo. Estamos no meio de uma pandemia e daqui a pouco pode ‘estourar’ o coronavírus nessas regiões onde passaram”, disse.