SKIDMORE, T. E. Fato e Mito: descobrindo um problema racial no Brasil, In: Cadernos de Pesquisa – n.º 79, São Paulo, Novembro / 1991, Cortez, pp. 5 – 16.

O artigo analisa como a ideologia do branqueamento ao longo deste século se constitui numa chave de leitura para as relações raciais no Brasil. O texto inicia afirmando que a presença de não-brancos ( em especial dos africanos ) no Brasil desencadeou um processo muito diferente dos observados no Estados Unidos e na Europa. Os países do Norte vivem um relação bi-racial, ou seja, de nítidas diferenças e limites entre branco e negros. O Brasil vive uma relação que pode-se chamar multi-racial. Para acontecer uma relação como esta vivida no Brasil, é preciso que acha mais de duas raças no interior das relações, três ou mais. Segundo o texto, o mulato se constituiu no Brasil num “casta média”, propiciando um âmbito de relações onde eles não se colocam como negros, pois verdadeiramente, os negros não possuem a mesma mobilidade social que eles possuem, por outro lado eles também não são considerados brancos. O artigo apresenta ainda como a questão racial fora discutida nos meios acadêmicos e pelas instituições brasileiras. A História e a Antropologia foram entre as ciências sociais as que mais colaboraram para uma análise da situação do negro ao longo dos séculos XIX e XX. A História obteve observações muito parciais, de acordo como o texto. Não há um trabalho significativo dos historiadores com os arquivos policiais, de saúde, judiciários ou fichas de empregados, por exemplo. Segundo o artigo, os historiadores só se basearam em leis, debates parlamentares e artigos de jornais, o que não daria uma visão mais ampla da situação do negro na sociedade brasileira. Os antropólogos produziram uma literatura mais rica, porém de caráter bastante particular, até porque antropólogos têm seus objetivos específicos, estão interessados por grupos menores e são formados para isto. Outro aspecto levantado como crucial para se analisar a ideologia do branqueamento é a total falta de dados. Nenhum dado, nem análise foi realizado com relação a raça durante os censos entre 1890 e 1940. Durante um período de 50 anos, a maior nação escravocrata das américas simplesmente não colheu dados a cerca da raça. Após a abolição houve um completo silêncio sobre como e onde viviam os negros, como se os problemas dos negros tivessem acabados no dia da abolição. Esta falta de dados é em parte explicada pela maneira como o brasileiro enxerga sua sociedade. O Brasil se enxerga como uma democracia racial, a nação se entende como multi-racial. Isto se deve por não ter havido no Brasil uma linha demarcatória rígida – nem legal, nem prática – entre brancos e negros. Nunca no Brasil existiram leis como a endogamia racial ( proibição de casamento fora da mesma categoria racial ), ou privilégios legais para brancos como na África do Sul e nos Estados Unidos, por exemplo. Segundo o texto no Brasil está muito presente a ideologia da superioridade branca, mas não a de supremacia branca, como nas colônias de língua inglesa. Supremacia é um processo pelo qual a superioridade social é transformada em doutrina de superioridade racial e moral, apoiada em discursos legais, religiosos e científicos. No Brasil sempre chegaram estes discursos, mas de fato, nunca se firmaram, pelo contrário encontrava aqui uma perspectiva bem diferente. A este processo o texto chama de ideologia da assimilação, ou seja, o Brasil acreditava na superioridade branca, mas não temia os negros nem demograficamente e nem politicamente, até porque muitos negros passaram para a vida livre, por alforria ou por nascimento, e nesta situação não haveria muitos motivos para revoltas ou insurreições. O discurso de supremacia branca provocou nos Estados Unidos e Europa um medo constante da miscegenação. Para eles, a miscegenação levaria os brancos a um processo de hibridização. No Brasil, a miscigenação era vista como uma possibilidade completamente diferente, ela era vista como a salvação para as relações raciais do país. Enquanto norte-americanos e europeus temiam politicamente este processo, a elite brasileira acreditava que a mistura resultaria num processo de embranquecimento da nação. A miscigenação era a salvação do Brasil. A ideologia da assimilação ou do embranquecimento eqüivalia dizer que o Brasil era uma nação que saía da escravidão sem as vergonhosas marcas do racismo. Esta crença inclusive que motivou a não coleta de dados raciais a partir de 1890. O texto, porém indica uma questão que como um pouco mais de atenção poderia ter orientado melhor os pesquisadores: como se passou em tão pouco tempo de uma realidade de reconhecida violência para aceitação do negros na sociedade brasileira ? De acordo com o texto, a ideologia assimilacionista e realidade multi-racial não significa que a sociedade brasileira não seja sensível e não esteja atenta aos mais delicados aspectos da cor da pele. Mesmo sem os dados do censo, discriminar a cor em fichas de emprego sempre foi uma prática comum, notícias de jornais também sempre identificam negros, brancos não necessitam. Os mulatos nestas situações conseguiam mais mobilidade, aceitação e possibilidade de ascensão social, é o que o historiador americano Carl Degler chamou de “escapatória mulata”. O artigo assinala uma outra tendência de desqualificar a questão racial. Os intelectuais de esquerda geralmente reduzem a problemática racial ao discurso de classe. O argumento consiste no fato que os negros ocupam a pirâmide da sociedade devido a sua herança social, e porque estiveram no passado excluídos da participação das riquezas e sofreram real desvantagem em relação aos imigrantes europeus que chegaram após a abolição. O artigo procura também identificar os núcleos que debateram e debatem a problemática da raça no Brasil. O primeiro grupo é a chamada Escola de São Paulo: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e outros. Liderado por Fernandes, o núcleo da USP busca atacar a idéia de assimilação de Gilberto Freyre, mas segundo o texto não conseguem escapar do erro da esquerda com a questão da classe e eram mais influenciados pelo mito da democracia racial que gostariam de admitir. O segundo núcleo é composto pelos grupos de militantes negros. A maior expressão é Abdias do Nascimento. Os militantes negros ganharam maior expressão no final da década de 70 início dos anos 80 e se constituíram no maior movimento de consciência afro-brasileira do nosso século. O terceiro grupo é identificado pelo texto como uma nova geração de intelectuais que atentos a realidade, estão convencidos que o questão racial é onipresente nas relações sociedade brasileira. Este grupo sabe que a discriminação racial existe no Brasil apesar da falta de legislação racista ou de uma regra rígida de descendência ou segregação, como observado em outras experiências. Sabe-se ainda que as leis aprovadas em 1988 são pura retórica, pois não encontram efetivação na prática, nem um compromisso público de punir atitudes racistas. O artigo levanta a importância de historiadores e antropólogos na produção mais recente de textos sobre a problemática, mas que ainda vários campos poderiam enriquecer a pesquisa, tais como: a arte, a literatura, a mídia, o teatro e muitos outros. Encerra-se apresentando uma pequena agenda de pesquisa com questões sobre como responder o desafio do racismo no Brasil hoje.