PENIN, S. Cotidiano e escola: a obra em construção, São Paulo: Cortez, 1995, 169 p.

O livro é fruto de uma pesquisa, descreve as condições concretas da vida cotidiana em quatro escolas públicas de 1º grau, articulando esta descrição com as representações dos diferentes atores presentes no cotidiano de cada escola. Está estruturado como as teses de um modo geral e possui uma introdução, onde discute de forma ampla a relevância do tema; uma primeira parte, subdividida em dois capítulos, onde constrói o referencial teórico; uma segunda parte, subdividida em seis capítulos, onde descreve e confronta a realidade das quatro escolas pesquisadas; uma terceira parte, subdividida em quatro capítulos, onde analisa as representações dos diferentes atores envolvidos no cotidiano escolar; e, finalmente uma conclusão, onde estabelece relações entre o cotidiano escolar e a História. A introdução traz: a questão central do livro- causas escolares do alto grau de repetência e evasão escolar dos alunos e seus desdobramentos, e expõe três posições teóricas diferenciadas que têm sido verificadas no debate sobre a seletividade escolar- tradicional de abordagem positivista, crítico-reprodutivista e histórico-crítica – esta última é a tendência a partir da qual este livro entende a escola, buscando construir uma análise dinâmica da relação escola-sociedade considerando o movimento histórico das contradições que ocorrem no interior desta instituição. Na primeira parte- Escola e Cotidiano: Algumas Questões Teóricas- parte da existência de diversos enfoques, determinados pelas categorias explicativas mais difundida de cada momento histórico, tais como: o positivismo, o funcionalismo e o estruturalismo. O enfoque escolhido é a busca da totalização para a explicação dos fenômenos, partindo da descrição em busca da natureza funcional, estrutural e formal dos fenômenos. O objetivo do livro é investigar quatro escolas públicas de 1º grau, perseguir a natureza e a gênese dos processos educacionais que ocorrem em cada escola, principalmente o fracasso dos alunos pertencentes às camadas populares. O caminho escolhido foi o estudo da vida cotidiana e das representações como vias de acesso à realidade escolar; os principais autores lidos foram: Gramisci, Kosik, Lefebvre, Heller, Ezpeleta e Rockwell. Justifica a escolha do estudo da vida cotidiana através de uma análise crítica desta que é considerada como um nível da realidade social, sobretudo no atual contexto de desenvolvimento do modo de produção capitalista . A partir de Lefebvre, analisa as modificações pelas quais o conceito de vida cotidiana passou ao longo da história: parte do início do século XX, onde a ideologia da modernidade mantém o “cotidiano“ como lugar de continuidade e chega aos anos 80 deste século, quando a ideologia da modernidade é suplantada, o cotidiano se cristaliza e instala-se a “cotidianidade” que insiste sobre o homogêneo, o repetitivo e o fragmentário. A vida cotidiana é constituída por vários fatores que podem ocasionar a homogeneização, fragmentação e hierarquização, levando à cotidianidade; todavia, há fatores de oposição à homogeneidade, fragmentação e hierarquização que podem transformar o cotidiano. Tendo Lefebvre como referência, utiliza o conceito de “representações” pois é no cotidiano que nascem e é para onde regressam; formam-se entre o vivido e o concebido ao mesmo tempo em que se diferencia de ambos. O livro deixa clara a existência de controvérsias que cercam o conceito de representação no discurso filosófico, e não se propõe a resolvê-las. Considera possível compreender aspectos da vida cotidiana através da análise das representações dos diferentes agentes pedagógicos. Ao concluir a primeira parte, traz como nota de rodapé que a abordagem utilizada na análise dos dados empíricos é antropológica dialética e que não tem por objetivo destinar um capítulo à metodologia, já que as questões principais foram enunciadas. Na segunda parte do livro- A História e as Obras- constrói o contexto histórico no qual está inserido o cotidiano escolar- período entre 1964 e 1980- examinando as principais mudanças ocorridas no Brasil em termos políticos, econômicos e educacionais, onde destaca: o incremento da industrialização, a urbanização do seu espaço vital- São Paulo-, as conseqüências para a população, e, dentre elas, a educação. A partir da década de 50, a migração de grandes contingentes populacionais para a cidade de São Paulo ocasionou a falta de prédios para abrigar alunos matriculados nas escolas de 1º grau. Na década de 70, houve a “democratização quantitativa”, quando grande contingente dos filhos das pessoas de baixa renda pôde matricular-se na escola pública, embora esta tenha sido a década em que mais se construíram escolas, o planejamento para a construção dos prédios era quase nulo, as instalações eram em barracões provisórios, e quando havia prédios de alvenaria, estes não contavam com manutenção. Segundo o livro, a “democratização quantitativa” da escola ocorreu devido o interesse do governo em escolarizar a mão-de-obra necessária à produção industrial e à reivindicações organizadas pelas populações dos bairros periféricos, tendo como conseqüência a diminuição relativa do salário dos professores e a deterioração das condições de trabalho na escola. Após a síntese do contexto histórico, analisa a situação de cada uma das quatro escolas, batizando-as com nomes fictícios e concebendo cada uma como “obra“, conceito que, segundo Lefebvre, esclarece e supera as representações. A primeira escola- obra Alfa- foi criada em 1976 na região periférica da zona sudeste da cidade de São Paulo, onde a pobreza era evidente: não havia iluminação pública, as casas eram de madeiras e latas amontoadas, havia muito lixo pelas ruas. A escola, situada no alto do morro, com uma arquitetura moderna e espaçosa, era diferente do padrão das construções ao redor, e por isso, dava a idéia de um “monumento”; era bem conceituada entre os moradores do bairro. A maior parte dos alunos da obra Alfa era de famílias onde os pais possuíam pouca escolarização e 70% desses alunos apresentavam pelo menos duas repetências. A escola possuía 56 professoras que trabalhavam em três turnos diários com nível de preparação baixo, medido entre outras coisas, pelos erros de ortografia; a organização formal do trabalho expressa nos planos de curso se distanciava da situação concreta dos alunos e da prática docente; as provas eram unificadas e a escola ignorava os saberes dos alunos. A segunda escola- obra Beta- foi criada em 1976, à 50 quilômetros do centro da cidade de São Paulo, num bairro de aparência razoável; diferente da primeira obra, esta não possuía boa fama na comunidade devido à constante troca de diretores, falta de organização e de conservação do prédio escolar. A maior parte dos alunos era pobre ou muito pobre, quase 90% ajudava no serviço doméstico, 14% possuía trabalho remunerado e 60% dos alunos apresentava pelo menos uma repetência. A escola possuía 68 professoras que trabalhavam em três turnos diários e um noturno, onde a maior parte das professoras não era concursada, não tinha formação universitária, faltava bastante ou conseguia licença médica. A terceira escola- obra Gama- foi criada em 1964, na zona leste de São Paulo, à 25 quilômetros do centro da cidade, situada à dois quarteirões de uma via expressa rodoviária, a escola era agradável, bem cuidada, piso “brilhando”, cortinas nas salas de aula, carteiras antigas em bom estado; nesta escola, as matrículas diminuíram a partir de 1973, quando os alunos de melhor poder aquisitivo transferiram-se para escolas particulares e a direção da escola diminuiu de três para dois turnos de funcionamento; era considerada uma escola típica de classe média onde, 82% dos alunos havia nascido na cidade de São Paulo e a grande maioria dos pais possuía o 1º grau completo. Em 1978-1979, houve uma queda no índice de aprovação porque a escola passou a admitir alunos sem o pré-escolar. Havia no cotidiano da escola Gama, mesmo que seus agentes não notassem, uma discriminação em relação às crianças pobres, que não possuíam o material completo necessário ao pré-escolar. A escola possuía 35 professoras, mantinha a elaboração de planos de curso burocraticamente orientados mas também possuía diários mais funcionais e condizentes com o ritmo de aprendizagem das diferentes classes; a escola Gama apresentava uma dificuldade notável de alguns elementos da escola em lidar com os pais de alunos de origem sócio-econômica inferior. A quarta escola- obra Delta- foi criada em 1964, à 20 quilômetros do centro da cidade de São Paulo, num bairro relativamente tranqüilo, residencial, com ruas arborizadas; a aparência geral da escola era agradável, salas com cortinas e algumas plantas; diminuiu o número de matrículas a partir de 1977, funcionava em dois turnos com 1 hora e 20 minutos a mais de aula para os alunos da 5ª a 8ª séries. A saída dos alunos da classe média alta, moradores do bairro, coincidiu com a invasão dos chamados “japoneses”, marcando o período em que a escola passou a contar com uma população mais carente e o momento em que os índices de promoção sofreram uma queda. A escola Delta possuía 42 professoras com experiência docente, que aliada à existência da pré-escola, obtinha bons resultados se comparados às outras três escolas analisadas pela pesquisa. No último capítulo da segunda parte, o livro traz um confronto entre as quatro escolas. As escolas mais antigas- Gama e Delta- foram criadas em 1964 em zonas centrais com o objetivo de atender aos alunos das camadas médias da população, que a partir da década de 70 foram sendo progressivamente transferidos para as escolas particulares causando um esvaziamento e/ou uma mudança no perfil da clientela atendida. As escolas mais recentes- Alfa e Beta- foram construídas em 1976 na periferia da cidade destinadas à atender as camadas populares atraídas pelas oportunidades de trabalho criadas pelo desenvolvimento industrial de São Paulo; nestas escolas houve um aumento de matrículas devido à necessidade de produção de mão- de-obra escolarizada e à pressão popular por mais escolas nos bairros periféricos. É possível confrontar também a infra-estrutura das escolas Gama e Delta, que possibilitava condições de trabalho superiores àquelas encontradas nas escolas Alfa e Beta. Outra diferença considerada marcante pela pesquisa era a forma como os professores concebiam as dificuldades de aprendizagem: nas escolas Gama e Delta, de alunos percebidos como da “classe média” as dificuldades eram enfrentadas com modificações nas práticas escolares, usavam-se várias alternativas possíveis, enquanto nas escolas Alfa e Beta, onde a maioria dos alunos pertencia à classe trabalhadora, os professores atribuíam as dificuldades de aprendizagem mais à necessidade de mudança de hábitos dos alunos do que à necessidade de mudança de hábitos dos alunos do que à necessidade de modificação das práticas escolares. Na terceira parte- As Representações da Obra ou “A Obra Aberta”- o livro analisa as representações dos diversos atores do cotidiano escolar, acreditando na possibilidade de compreender as manipulações do cotidiano escolar programado, e, conhecendo-as, orientar a transformação. Analisando as representações das professoras, os fatores extra-escolares foram considerados como as principais causas do fracasso dos alunos e alguns elementos foram destacados: a família dos alunos, que, desorganizadas, não davam atenção, amor e acessoramento aos filhos; as professoras anteriores que não ensinavam e produziram um aluno fracassado. Nas representações das professoras, o fracasso escolar dos alunos pode ser melhor enfrentado através de mudanças nas ações, primeiro das professoras das séries anteriores, depois, da instituição e, por último, da organização escolar. A possibilidade de a escola melhorar o rendimento escolar dos alunos desfavorecidos economicamente, o que é o aluno desejável ou indesejável, como são os pais dos alunos e como deve ser o diretor são as outras representações consideradas pelo livro. Analisando as representações dos diretores sobre o aluno, a escola, os professores e suas práticas pedagógicas, estas indicaram as questões institucionais e sociais mais amplas, como política educacional, situação funcional, salarial e condições de trabalho como causas dos problemas enfrentados pela escola. Sobre as representações dos pais sobre a escola, as professoras e o fracasso escolar dos seus filhos, o livro analisa: a preocupação dos pais com o “currículo oculto da escola” e com as tarefa de casa- para os pais da classe trabalhadora um problema e para os pais da classe média uma necessidade de pagar uma professora particular. No confronto entre as várias representações da obra escola de um modo geral, o livro buscou alcançar os processos e as práticas que se relacionam às causas do fracasso escolar dos alunos; e, para demonstrar o papel das representações nas três categorias de sujeitos investigados, constrói algumas afirmações: 1- as representações da obra diferiam conforme o lugar específico no qual o sujeito vivia; 2- o fenômeno fracasso escolar dos alunos pobres é representado diferentemente pelos três tipos de sujeitos envolvidos, sendo que as professoras apontaram mais as causas extra-escolares e os diretores e pais de alunos as causas intra-escolares; 3- a maior preocupação dos pais dos alunos das escolas de periferia não era a qualidade do ensino ministrado, mas a garantia de algum ensino, desejavam que seus filhos tivessem aula; 4- as professoras apontavam o apoio e assessoria dos pais às tarefas dos filhos como forma de melhorar o rendimento escolar dos alunos; 5- os diretores apontavam como causa do fracasso escolar a falta de preparo técnico das professoras, justificado pela baixa renda e pela má formação intelectual. De um modo geral, as representações dos diversos sujeitos sobre a obra escola apresentam fracos indícios da conquista à cotidianidade. A vontade de transformar o cotidiano escolar foi mais identificada nas representações dos diretores e melhor sugerida nas representações dos pais. No final do capítulo, constata a necessidade de professores, pais e diretores conhecerem-se uns aos outros para que as representações sejam também conhecidas e um pensamento crítico seja construído. As considerações finais são empíricas, práticas e teóricas e estão enumeradas na conclusão do livro: 1- cada escola revelou-se como presença única e singular; 2- o cotidiano escolar reflete a História da sociedade assim como sua própria história, isto pôde ser demonstrado pela análise comparativa onde foi verificado que o período em que as crianças das camadas populares tiveram acesso à escola coincidiu com o período que o sistema de ensino piorou seu nível de atendimento; 3- as práticas cotidianas não apenas refletem a História, antecipam-na também; 4- a análise do cotidiano mostrou um obstáculo evidente das escolas de periferia oportunizarem um ensino de boa qualidade, que consistia na alta rotatividade das professoras. Após estas considerações, julga necessário o conhecimento do cotidiano escolar porque, sendo conhecido, é possível conquistá-lo e planejar ações transformadoras; além disso pode fornecer informações às gestões institucionais democráticas que queiram melhorar o ensino das escolas.