Seis meses após rompimento de barragem da Vale, moradores e familiares de vítimas buscam compensação por danos sofridos e exigem punição dos responsáveis pela tragédia. Bombeiros ainda procuram 22 desaparecidos.

No posto de comando Bravo, que coordena as buscas das vítimas desaparecidas após o rompimento da barragem 1 de rejeitos da Vale, em Brumadinho, a perita criminal aguarda a chegada de um novo fragmento encontrado. É o 179° dia de operações, e o material recolhido pode ser parte do corpo de uma das 22 pessoas ainda não localizadas na vasta área coberta pela lama, onde 135 bombeiros trabalham em pontos estratégicos.

Seis meses após o rompimento da mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro, a lista de vítimas fatais tem 270 nomes. No Instituto Médico Legal de Belo Horizonte, mais de cem fragmentos de corpos retirados das profundezas da lama, que atinge até 25 metros, aguardam resultados da perícia.

“O objetivo é localizar as vítimas e levar esse alento aos familiares”, diz o capitão dos bombeiros Patrick Tavares Gomes à DW Brasil, enquanto aponta, de um mirante, as frentes de trabalho em ação pela zona afetada.

A irmã da engenheira civil e funcionária da Vale Josiane Melo foi encontrada 68 dias após o desastre. A vítima, Eliane, que também era engenheira, estava grávida de cinco meses e havia começado o trabalho há pouco tempo indicada por Josiane.

Josi, como é conhecida, trabalhava na sala ao lado de onde o controle da barragem era feito e estava de férias na semana do rompimento. O irmão dela, também funcionário da Vale, se salvou depois de ter mudado sua rota após um pedido que recebeu por telefone. Quem estava do outro lado da linha, sua coordenadora, não sobreviveu.

“As pessoas do alto escalão sabiam do risco e tinham que ter tirado todos de lá. Eles sabiam que as pessoas teriam um minuto para fugir e que, portanto, ninguém conseguiria sobreviver”, disse um familiar de uma vítima que era funcionário da Vale e preferiu não ter seu nome revelado nesta reportagem.

Josi diz que está dez quilos mais magra do que antes da tragédia. Hoje afastada do trabalho na Vale, ela perdeu 135 amigos na tragédia. E toda a sua equipe.

“Estou lutando por justiça. Quero que as pessoas responsáveis sejam punidas, que a Vale tenha uma punição exemplar”, diz.

 

Reparação aos que ficaram

Em frente à sede da recém-inaugurada Defensoria Pública estadual em Brumadinho, o movimento é notável. Moradores buscam informações sobre reparação e compensação financeira pelos danos sofridos.

Em abril, o órgão fechou um acordo com a Vale para acelerar o pagamento de indenizações aos atingidos. À época, o anúncio surpreendeu as demais instituições de Justiça – até então, os Ministérios Públicos estadual e federal e a Defensoria Pública da União trabalhavam juntos na elaboração dos termos.

A crítica foi que os detalhes do acordo entre Defensoria Estadual e Vale foram acertados sem a participação dos atingidos, às escondidas.

“O Brasil é o único país onde a empresa que cometeu o crime identifica os danos, domina a cena do crime e diz o quanto vai pagar aos atingidos”, opina Camila Oliveira, advogada do Movimento Águas e Serra de Casa Branca, bairro rural de Brumadinho próximo à antiga barragem.

Até agora, foram fechados 87 acordos dos 173 requerimentos feitos. Na lista estão moradores atingidos de diferentes formas, desde aqueles que perderam casa, ferramentas de trabalho e sofreram queda no faturamento do comércio. Depois que o termo é homologado, o pagamento é feito em cinco dias pela Vale. Há valores que ultrapassam R$ 1 milhão.

Para Josi, o pagamento instantâneo feito pela Vale “foi um artifício financeiro para fazer divisões”. “As pessoas não querem mais falar contra a Vale”, diz.

Em Brumadinho, há suspeita de que até 15 mil pessoas de fora da cidade tenham fraudado documentos para receber o salário emergencial destinado a moradores. Comerciantes dizem que a circulação do dinheiro extra está ajudando a movimentar a economia, mas eles também sofrem com o desaparecimento repentino de mão de obra.

Outro acordo estipulou o pagamento emergencial de um salário mínimo por mês para todos os moradores de Brumadinho ao longo de um ano. A cidade tem população estimada em 40 mil pessoas.

Além disso, 276 famílias receberam doações no valor de R$ 100 mil. A soma foi transferida a familiares das vítimas fatais logo após a tragédia.

 

Dinheiro e investigação

Neste mês, a Vale foi condenada pela primeira vez, na Justiça estadual de Minas Gerais, a reparar os danos provocados pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Os valores a serem pagos ainda não foram determinados.

Para o procurador Edmundo Dias, que atuou no acordo sobre o pagamento emergencial de salários mínimos, a condenação da Vale tem um grande significado.

“Num tempo curto, o juiz reconheceu a responsabilidade da Vale e condenou a empresa. Agora está sendo feito o diagnóstico dos danos sociais, econômicos e ambientais para se chegar ao valor”, comenta.

O processo criminal que apura as causas do colapso da barragem corre em sigilo, e os procuradores não fazem comentários. A TÜV Süd Bureau de Projetos e Consultoria no Brasil, que atestou a estabilidade da estrutura, teve as atividades parcialmente suspensas pela Justiça. A Vale se diz a maior interessada na apuração dos fatos e afirma contribuir com as investigações.

Josi, funcionária da mineradora por 14 anos, diz que acreditava estar segura no ambiente de trabalho. “Perdi tudo. A empresa tinha o lema ‘A vida em primeiro lugar’. Parece que ela escolheu matar”, opina.

Na data em que se completam seis meses da tragédia, familiares participam de um ato em memória das vítimas. As homenagens são feitas num canteiro central na entrada de Brumadinho, onde objetos deixados por pessoas que ajudaram no resgate foram deixados sobre o letreiro da cidade.

 

Fonte: https://www.dw.com/pt-br/a-luta-de-quem-perdeu-tudo-na-lama-de-brumadinho/a-49733418?maca=pt-BR-Facebook-sharing&fbclid=IwAR0PQ2OdZ3vZ-TrWZ7-tMJE5jVBIn4IuvxZwZb3mGEoIlC6omOpo1Ekkqms